São Paulo, quarta-feira, 9 de outubro de 1996
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Religião não recupera viciado, diz especialista

PAULO SILVA PINTO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Para o especialista suíço Lothar Schäfer, 54, religião e recuperação de toxicômanos não combinam.
Presidente da Federação de Centros de Tratamento de Toxicômanos da Europa, ele participa em Brasília do 1º Encontro Latino-Americano de Comunidades Terapêuticas, que vai até sexta-feira.
Para Schäfer, o apoio espiritual pode ser importante na recuperação de viciados, mas a ênfase em rituais e mensagens religiosas nas comunidades leva sempre ao fracasso do trabalho. "É trocar uma droga por outra", disse.
Religião em excesso poderia dar a falsa idéia de que tudo será fácil ao sair da comunidade. "A frustração é maior e eles acabam culpando o cara lá em cima (Deus)."
Schäfer e sua mulher, Verena, 48, os dois pedagogos, trabalham há 20 anos em casas de recuperação. A instituição Rüdli, que fundaram, mantém 30 casas de recuperação na Suíça, por onde já passaram cerca de 400 pessoas.
É a única instituição que mantém mães toxicômanas junto aos filhos. Isso é feito em uma das casas, dirigida por Verena -Lothar dirige a rede. As outras casas misturam homens e mulheres.
Há locais diferentes, sempre na zona rural, para as três fases do tratamento: entrada (que dura dois meses), recuperação (oito meses a um ano), reintegração (seis a oito meses). Há também a fase de acompanhamento, depois que as pessoas conseguem empregos e saem das comunidades.
Os pacientes cuidam da casa e do jardim, fazem trabalhos manuais, e, em grupo, participam de discussões e psicodrama.
Na etapa de recuperação, é permitido sair da casa, e ninguém proíbe a pessoa de se drogar.
Trazer drogas para comunidade e praticar violência são motivos para expulsão. "Nesse ponto somos rigorosos", disse Verena.
Recuperação
A média de sucesso depois de cinco anos, pelos levantamentos realizados, é de 75%. As pessoas podem desistir do tratamento a qualquer hora. Sua entrada nas casas também deve ser espontânea.
Há cerca de sete anos, o casal Schäfer tentou sem sucesso que uma jovem de 20 anos se internasse em uma das comunidades. Era uma das filhas de Lothar e Verena, que se viciou em heroína e cocaína.
"Nas famílias em que há toxicômanos sempre existe algum problema. Nós erramos talvez trabalhando demais", disse ela.
A filha, que cresceu ajudando os pais nas comunidades, chegou a passar pela prisão. "Eu disse para mim: ela terá que passar por isso se é o caminho que escolheu. Conseguiu sair sozinha", disse Verena.
Ela disse que o único conselho que pode dar aos pais de viciados é que eles cuidem se si mesmos, frequentando terapias em grupo. "Os filhos percebem, se irritam e reagem", disse.

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