São Paulo, quarta-feira, 9 de outubro de 1996
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A Unicamp aos 30 anos

JOSÉ MARTINS FILHO

Se na Europa e na América, em particular a de colonização espanhola, a idade das universidades se mede por séculos, entre nós ela ainda se mede por décadas.
Basta dizer que, afora umas poucas escolas de direito e de medicina existentes desde o século passado e alguns projetos de duração efêmera urdidos politicamente nos anos 20, nossa primeira instituição universitária realmente congruente e organizada como tal -a Universidade de São Paulo- surgiu há menos de 70 anos.
Chega a ser surpreendente, em vista disso, que num contexto de tão extrema juventude algumas das instituições universitárias brasileiras, especialmente por terem sabido conjugar o ensino superior com a pesquisa e a prestação de serviços, tenham atingido um patamar de produtividade que a maioria de nossas irmãs latino-americanas ainda persegue.
Bem por isso, talvez cause espécie a muitas delas, européias ou latinas, que somente agora uma universidade como a Unicamp -com seu grau de visibilidade internacional- chegue a seu trigésimo ano de existência, o que acontece efetivamente neste mês de outubro, com alegria e senso de orgulho, mas sem pompa.
Se o surgimento da Universidade de São Paulo correspondeu a um esforço da sociedade civil para recuperar sua hegemonia e formar líderes à sua imagem e semelhança -o que faz muito sentido no quadro político-militar do Estado Novo-, a emergência da Unicamp em 1966 vinha satisfazer especialmente aspirações de ordem técnica, industrial e de especialização qualificada.
A Unicamp veio para atender a um mercado que passara a exigir, além das profissões liberais clássicas requeridas pelo processo de expansão urbana, a disponibilidade de bons engenheiros, químicos, físicos, matemáticos, biomédicos e humanistas que soubessem formular projetos para o país e pensá-lo a partir de idéias novas.
Isso fica claro quando se recorda que seu criador e fundador, Zeferino Vaz, reuniu-se sistematicamente com industriais experimentados antes de idealizar cada um de seus cursos tecnológicos e de ciências básicas.
Foi muito significativo que a cada curso correspondesse um ou mais laboratórios de pesquisa (hoje são mais de 500); e que já no início dos anos 70 a universidade recém-criada estivesse apta a participar do projeto de desenvolvimento em curso, em particular no capítulo das telecomunicações, em que lhe coube projetar os primeiros componentes do sistema de telefonia digital.
A esses vieram acrescentar-se depois o laser, a fibra ótica e um sem-número de outros produtos das áreas da física, das engenharias, da nutrição, da química, da biologia, das artes e das humanidades -num total, hoje, de aproximadamente 6.200 projetos em andamento.
O fato expressivo de que, a partir dos anos 80, a Unicamp tenha passado a fornecer quadros para os altos escalões administrativos e políticos -coisa que, entre as universidades, era prerrogativa da USP e, em tempos mais remotos, das escolas de direito de Recife, da Bahia e do Largo de São Francisco- mostra claramente que seu modelo "tecnológico" expandiu-se em outras direções, especialmente o da economia e das ciências sociais.
Que ideólogos dos mais importantes partidos atuais tenham emergido de seus departamentos é uma demonstração histórica de que, no tempo certo, a Unicamp (leia-se Zeferino Vaz) teve o descortino e a coragem de preservá-los do expurgo discricionário ("dos meus comunistas cuido eu", dizia ele eufemisticamente) e de atrair do exílio os melhores quando se decretou o projeto da Anistia.
Essa atitude universalista, tão rara naqueles dias, garantiu à Unicamp uma pluralidade de pensamento que terminou por afetar positivamente a criação e é ainda hoje o seu maior patrimônio.
Ela está apta, assim, a enfrentar a variedade de caminhos que o futuro parece indicar. Sabe que nesse futuro, em que a palavra-chave parece ser "informação", serão exigidas das universidades estruturas tão agregadas quanto eficientes. Mas sabe também que, num quadro prenunciador de tão intensas mudanças, a instituição já quase milenar que é a universidade subsistiu a praticamente tudo desde o período gótico. Trinta anos, assim vistas as coisas, é realmente apenas o começo.

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