São Paulo, quarta-feira, 9 de outubro de 1996
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O PMDB morreu. Viva o PMDB

ROBERTO REQUIÃO

Nesse 3 de outubro, sem glórias, lamentos ou saudades, morreu o PMDB. Distante de suas origens, expatriado de seus compromissos, apartado dos que lhe deram vida ou a própria vida, morreu o PMDB.
Na verdade, uma morte anunciada. Tudo dentro dos conformes. Do previsto, pesado e medido. De acordo com Constâncio: "Segundo fizeres, assim te farão".
E o que fizemos? Pisoteamos tudo o que construímos com sacrifícios, dores, renúncias e bravura. Atiramos à fogueira o último resquício de vergonha na cara. De nossas bandeiras de ontem, não restam farrapos. Do nosso programa, vagas e, ainda assim, retóricas lembranças com que alguns insistem em brindar o distinto público em perorações de ocasião. Nada mais entediante. E falso.
E o que nos fizeram? O justo, o combinado. Se apostatamos, se boa parte do PMDB decidiu-se pelas facilidades da aliança neoliberal, abjurando os compromissos de sangue com os trabalhadores da cidade e do campo, com os pequenos e médios empresários nacionais, com os estudantes e a juventude, com os marginalizados e excluídos disso que chamam (supremo cinismo!) "economia de mercado", se traímos todos eles, o que esperar em retribuição? Fizemos o malfeito. Fizeram o bem-feito.
Fustigados em quase todas as capitais e grandes cidades, acuados cada vez mais para os grotões, somos hoje a contraface da Arena-PDS de ontem. Com uma diferença: eles reciclaram-se, transformaram-se em PFL, PPB, PTB, PDT e até mesmo em PSDB.
E nós? Uma triste caricatura do que fomos. O personagem de Thomas Mann em "Morte em Veneza". Amanhece, escorre a maquilagem e já não somos nem uma coisa e nem outra.
Eles reciclaram-se e, da simbiose de apelos, gestos e trejeitos tipicamente fascistas com uma modernidade canalha, nascem os arremedos franquistas, vestidos com as saias da "dama de ferro". Com alguma pitada sociológica, é verdade.
Reciclam-se e malbarateiam as esperanças populares com acenos de empregos, de moradias, de saneamento, de cingapuras, de leve-leite, de creches, de postos de saúde, de saneamento, de comida -oh Deus!, tudo, exatamente tudo o que o catecismo neoliberal (que eles praticam e rezam enquanto não estão no palanque) tem como heresia.
Nessa competição de vantagens, nós também entramos. Gongóricos, retóricos, empostados desfilamos pelos palanques do Brasil afora a mesma demagogia. E foram raros, de contar nos dedos das mãos, os que, do PMDB, foram às origens do desemprego, das falências, do sucateamento do Estado ("et pour cause", da saúde, da educação, do saneamento e mais).
Envelhecido e envilecido, o PMDB não soube (ou não quis?) contrapor-se à onda conservadora, quando não, em alianças oportunistas e repelentes, aderiu gostosamente à maré montante.
E, assim, o PMDB morreu.
Pois que viva o PMDB! Porque não existe outro caminho. O PT afinou o grito. O lobo bravio, o guarapuava da política brasileira uiva manso e desliza grácil no oportunismo do discurso eleitoral. Do não ao sim; e do sim ao sim, senhor!
Pois que também viva o PT! Porque não existe outro caminho. Já que o PSDB... ora, o PSDB! E do PDT resta tão-somente a dignidade de Leonel Brizola. Ao velho combatente o destino reserva ver o seu partido esfrangalhar-se e descaracterizar-se, tomado de assalto por ex-validos do regime militar, por lideranças brotadas e cevadas às sombras da ditadura e que hoje se valem do marketing, da mídia, do bom aprendizado fascista para hipnotizar e coagir os eleitores; quando não se dizem inspirados pelo Espírito Santo.
Pois, então, que viva o PMDB e que viva o PT.
Um novo PMDB, um novo PT. De volta às origens. De volta aos compromissos que nos deram à vida. De volta à casa e aos sonhos dos trabalhadores. De volta às pequenas e médias empresas nacionais. Aos escritórios, aos bancos, às lojas comerciais. Às escolas e igrejas. Aos marginalizados e excluídos. De volta aos produtores e trabalhadores rurais. De volta, enfim, à essência e razão de ser da nação.
De volta, também, ao conceito de nação, de brasilidade, de patriotismo, de nacionalismo. Sem o ranço xenófobo dos que nunca apreenderam tais conceitos e só os usaram e, vez em quando, os sacam em defesa de cartórios, corporações e privilégios mesquinhos.
O PMDB morreu, viva o PMDB!
Quem se habilita à dura, mas viável tarefa de reconstruí-lo? De suas pedras espalhadas temos ainda rochas firmes para refazer suas fundações. Nos sonhos e esperanças estilhaçadas dos brasileiros buscaremos o alento, a força e a inspiração. Esse mesmo povo, que um dia nos deu as armas e o ânimo para a luta, não há de negar o mesmo gesto. Basta apenas uma coisa: que sejamos, de fato, os seus soldados. Por mais longa que se anuncie a marcha da retomada, há ainda em nós força suficiente para empreendê-la.
Portanto, à estrada!

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