São Paulo, quinta-feira, 10 de outubro de 1996
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Troque o verbo ou feche a boca

PASQUALE CIPRO NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Rita Lee cantava uma música que dizia "o resto que se exploda, feito Bomba H". Será que na língua culta existe "exploda"?
Explodir é verbo defectivo, ou seja, não tem conjugação completa. No presente do indicativo, deve-se conjugá-lo a partir da segunda pessoa do singular (tu explodes, ele explode etc.).
Muita gente não sabe da existência dos defectivos e os "conjuga" em todas as pessoas. É o caso de precaver. Não existe "precavenho", nem "precavejo". No presente do indicativo, só há duas formas: nós precavemos, vós precaveis.
Há basicamente dois grupos de verbos defectivos: os que, no presente do indicativo, são conjugados a partir da segunda do singular (explodir, colorir, abolir) e os que, nesse mesmo tempo, só são conjugados na primeira e na segunda do plural (reaver, adequar, falir, precaver).
O problema é resistir à tentação de conjugar esses verbos, sobretudo quando os meios de comunicação (cuidado com eles!) se encarregam de difundir verdadeiras pérolas, como "O projeto não se adequa ao perfil da empresa", ou "Assim a empresa fale", ou ainda "A classe média não reavê o poder de compra".
É importante dizer que o problema dos defectivos só ocorre no presente do indicativo e tempos derivados.
A primeira pessoa do singular do presente do indicativo dá origem ao presente do subjuntivo (eu vejo/que eu veja, eu ouço/que eu ouça).
Como se conjuga, então, o presente do subjuntivo dos verbos defectivos? Basta calar a boca. Basta não dizer absolutamente nada. Seria impossível, portanto, preencher a frase "Ela quer que eu..." com os verbos abolir, colorir, explodir, adequar, reaver, precaver. Seria necessário usar uma forma de um verbo de sentido equivalente.
E os pretéritos? E os futuros? Como já disse, o problema dos defectivos só ocorre no presente do indicativo e tempos derivados. Os pretéritos e os futuros são completos. Então é corretíssimo dizer "Eu explodi de raiva", "A empresa faliu", "Ele não se adequou ao projeto".
E o verbo reaver? Se você tivesse de substituir "recuperar" por "reaver" na frase "Ela recuperou o dinheiro", o que você diria? "Ela reaveu"? "Ela reaviu"? "Ela reaveio"? Nada disso. "Ela reouve (sim, reouve!) o dinheiro." Perguntamos isso a dez alunos de cursinho de São Paulo, e só três acertaram.
O verbo reaver deriva de haver (reaver = re+haver), mas só é conjugado nas formas em que o verbo haver apresenta a letra "v". Como o presente do indicativo de haver é "hei, hás, há, havemos, haveis, hão", o presente de reaver é "reavemos, reaveis". Só. Nas demais formas do presente, nada.
No pretérito perfeito, haver é "houve, houveste, houve, houvemos, houvestes, houveram". Então basta colocar "re" e eliminar o "h". Está conjugado o pretérito perfeito de reaver. "Eu reouve, tu reouveste, ele reouve, nós reouvemos, vós reouvestes, eles reouveram."
Ia-me esquecendo de Rita Lee. É claro que você percebeu que o que ela queria dizer não era bem "exploda", e sim uma palavra impublicável, que, por acaso, rima com "exploda". É isso.

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