São Paulo, domingo, 13 de outubro de 1996
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"I Love Lucy"

MARCELO MANSFIELD
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nos últimos anos, apesar dos protestos dos próprios atores e diretores e de grande parte do público, as nossas casas foram invadidas por centenas de programas de qualidade duvidosa, produzidos às pressas em algum estúdio da Cidade do México ou nas movimentadas ruas de Tóquio.
Neles, as atrizes, com penteados que rivalizam com o Pão de Açúcar, disputam a audiência com lutadores de karatê e monstros de nomes impronunciáveis.
É uma pena que nossos programadores tenham tão pouco conhecimento de que esses países, Japão e México, já deram ao mundo obras-primas que deveriam, estas sim, ocupar lugar de destaque nas programações do mundo todo.
E que grandes estrelas eles já tiveram: Maria Félix, Toshiro Mifune, e, obviamente, Cantinflas.
Nivelando por baixo, os Estados Unidos também vem produzindo seu quinhão de porcarias, vendidos a preço de banana para países que os compram como cachos da mesma fruta.
Mas isso já foi diferente.
Logo depois da Segunda Guerra, as cabeças do "show business" americano viram que seu público estava mais interessado em ficar em casa do que enfrentar as filas dos cinemas depois de anos enfrentando as filas de pão e carne do mercado negro.
Na esquina pobre do bairro mais famoso do mundo, Hollywood, estavam os atores de filmes B e os reis do rádio experimentando uma nova forma de diversão: a TV.
A primeira estrela dessa nova brincadeira chamava-se Milton Berle -Uncle Milt para os íntimos-, que pouco depois de estrear seu próprio show, se tornou o responsável pela venda de mais de dez milhões de aparelhos de TV pelo país.
"Mr. Television" como ficou conhecido, era tão importante e valioso, que assinou um contrato nos anos 50 que só expirou em 1981. Meses atrás, recebeu um Emmy por serviços prestados. E que serviços...
Seu amigo Jack Benny foi outra estrela da mesma época. Adorado pelos hollywoodianos, tinha a vantagem de levar em seu programa as maiores estrelas do cinema da época para esquetes onde o fio condutor era seu pão-durismo e sua vaidade extremada -o que lhe permitiu ter 39 anos por mais de 39 anos.
Seu melhor amigo era George Burns, que dividia a cena com sua esposa, Gracie Allen, no "Burns and Allen Show". A burrice de Gracie era de fazer as Ofélias e Magdas corarem de constrangimento.
Mas nenhum destes programas chegava aos pés da popularidade de "I Love Lucy", que desde sua estréia em 1951 até hoje é o enlatado mais visto na história. Nesse momento, em algum lugar, "somebody is loving Lucy".
Lucille Ball era uma atriz de pouca fama especialista em filmes classe Z, cujo casamento com o "band leader" cubano Desi Arnaz andava mal das pernas. Na tentativa de manter a união -e como não tinham nada a perder mesmo-, o casal juntou suas economias e produziu um piloto do programa para mostrar para a CBS.
Ninguém gostou muito da idéia de ver uma americana típica ser casada com um cubano na preconceituosa América do pós-guerra, mas resolveram arriscar. Poucos anos depois, a rainha dos filmes B e aquele tocador de bongô eram a maior fortuna da TV, conhecidos no mundo todo e imitados até hoje, como provam seriados como "Friends" e "The Nanny".
A fórmula Yankees & Latinos, que tanto medo provocou na CBS, fez tamanho sucesso que o mesmo casal queria produzir uma versão onde um marido americano era casado com uma cantora brasileira, Carmem Miranda, um projeto arquivado pela morte da estrela.
Mas parece que essa fórmula tomou outros rumos, uma vez que os latinos da TV moderna não tocam bongô nem cantam Babalu. Estão perdendo um tempo enorme na colocação de cílios postiços maiores que os tórax forjados em Malibu de seus maridos americanos. Quanto a mim, só digo uma coisa: "I Love Lucy".

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