São Paulo, segunda-feira, 14 de outubro de 1996
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Iannis Xenakis arquiteta melodias em "Ittidra"

ARTHUR NESTROVSKI
ESPECIAL PARA A FOLHA

ITTIDRA: parece um nome grego, como é de hábito para as composições de Iannis Xenakis. Mas neste caso é um simples anagrama de "Arditti", sobrenome indiano do primeiro violino e proprietário simbólico de um dos melhores quartetos de cordas da atualidade. Com o reforço de mais uma viola e um violoncelo do Quarteto Alban Berg, o Arditti estreou a nova composição de Xenakis, dia 4 passado, na Ópera Velha de Frankfurt.
Aos 74, Xenakis é um dos mestres indisputados da disputada e mal-conhecida música contemporânea. Autor de tratados matemáticos da composição, e de composições que não soam nada matemáticas, muito antes pelo contrário, ele é um dos poucos contra quem ninguém parece ter objeções: nem como homem, nem como criador. Xenakis, hoje como há 40 anos, é um dos alentos da música, uma expressão original de vigor e honestidade.
Sua música tem grande impacto e personalidade. "Galáxias" e "nuvens" de sons vão articulando esses dramas "delicadamente poéticos e violentamente brutais", como escreveu Messiaen. Mais recentemente, nos últimos dez ou quinze anos, sua música vem se tornando cada vez mais carnuda, mais intensamente casada aos sons e ao segredo que eles trazem em si.
Um bom exemplo para o neófito é a obra "Pléiades", gravada por Les Percussions de Strasbourg (CD Harmonia Mundi), uma espécie de grande gamelão javanês transformado, em escalas microtonais. Ou o segundo quarteto de cordas, "Tetras" (1983), gravado pelo Arditti (CD Disques Montaigne).
O novo sexteto, "ITTIDRA", é um único movimento lento, alinhado com outras composições dos últimos anos no uso de acordes repetidos, saltos de registro e "placas" de som que vão se alterando gradativamente -regidas, neste caso, "pelas múltiplas mãos de um gigantesco Deus".
É uma música maciça, de ferro, mas que aos poucos deixa entrever sutilezas e bordaduras. Tocada com o afinco de costume pelo Arditti, ela é menos o "desregramento dos sentidos" de que falava o compositor do que uma nova regra da sensação, outra arquitetura, onde melodias e ritmos simétricos são tão impossíveis quanto uma rosácea fractal num frontão grego.
Uma audição só é pouco para dar conta dessa música. Numa primeira escuta, parece uma obra que não consegue escapar de sua inspiração. A platéia em Frankfurt, depois de um momento de dúvida, aplaudiu com entusiasmo, mas isto decerto era menos aplauso do que militância.
Descontado o currículo admirável de Xenakis, há que dizer, a seu favor, o seguinte: ladeando o novo sexteto, no programa, estavam os dois sextetos de Brahms, interpretados magnificamente por estes músicos, que tão raramente se voltam para a música do passado. E Thomas Kakuika, o violista convidado, deve ser um dos melhores músicos de câmara em atividade. A obra de Xenakis constitui um acervo cultural da humanidade, e é azar o nosso se esse patrimônio não chega quase nunca por aqui.

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