São Paulo, terça-feira, 15 de outubro de 1996
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Reeleição ou morte?

LUÍS PAULO ROSENBERG

Seria bom para a etérea figura do "agente econômico" que a emenda da reeleição fosse aprovada?
Sim, dizem os defensores da tese. E vão mais longe: a imediata aprovação da medida seria condição necessária para o sucesso do Real, pois garantiria sua continuidade pelos próximos seis anos, sob a batuta do próprio criador.
Há fundamento nesta tese. De fato, o investidor, em particular, adora poder enxergar o futuro, pelo menos o pano de fundo com o qual estará interagindo sua aplicação de risco.
Ora, FHC é previsível. Maduro, ético, dono de um intelecto privilegiado e testado na ação, pode-se ter certeza que ele jamais tiraria um coelho da cartola, revertendo o processo de abertura econômica, discriminando contra o capital estrangeiro ou reduzindo a prioridade hoje atribuída à estabilização dos preços.
Mas daí pular para a conclusão de que sem a consagração da tese da reeleição estaríamos dando um salto nas trevas, vai uma légua de torcida, não de lógica.
Em primeiro lugar, FHC não se revelou nenhum De Gaulle, um estadista com a visão no milênio seguinte e que lidera seu povo desconsiderando grupos de pressão, interesses passageiros ou mesmo a incompreensão passageira de muitos.
Fernando Henrique é o presidente que transformou as reformas estruturais em tímidos paliativos, o autor do maior crescimento de déficit público já registrado em um ano, o doutor Frankenstein do imposto sobre o cheque e o responsável pela lei de proteção desbragada às montadoras de autos aqui instaladas, cuja digestão o Primeiro Mundo até hoje não conseguiu completar.
Nenhuma Brastemp, em suma.
Em segundo lugar, os observadores da economia brasileira temem o custo fisiológico da aprovação da medida. Afinal, se até a concessão do título de cidadão brasileiro honorário ao papa não seria simples, se exigisse um quórum de 60% em quatro votações, que dizer de um caso tão polarizador de emoções e interesses pessoais como este?
Se o preço a ser pago pelo direito de manter dona Ruth como primeira dama for algo como 2% do PIB em benesses concedidas pelo governo federal, o investidor racional preferiria alguma incerteza à previsibilidade de ter FHC ao custo de abalar o pilar da austeridade fiscal que perpetuaria o Real.
Em terceiro lugar, a popularidade de FHC é enorme, do tamanho da do Real, e poderia ser transferida ao candidato que recebesse do presidente a chancela de continuador de sua obra. Ora, a perspectiva de que Tasso, Bornhausen ou Brito venha a ser o futuro presidente com o apoio de FHC seria alvissareira e não assustadora para os formadores de opinião.
Finalmente, a ansiedade pela tese da reeleição sentida pelos agentes econômicos seria muito maior se a opção a Fernando Henrique fosse Lula do que se for Maluf.
Realmente, o que exigem do futuro presidente os aplicadores nacionais e estrangeiros para dormirem em paz é o compromisso de continuidade do atual movimento de inserção do capitalismo brasileiro na globalização econômica.
Algo que um candidato vindo da direita de FHC assegura pela sua própria escalação ideológica.
Em resumo, poderemos debater e votar a palpitante tese da reeleição no seu espaço devido, o político. Do ponto de vista econômico, aprová-la ou não é questão secundária.

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