São Paulo, terça-feira, 15 de outubro de 1996
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Mais uma versão do virtual

MARIA ERCILIA
DO UNIVERSO ONLINE

Os americanos inventam, os franceses vão atrás tomando notas e tentando explicar. Atrás de cada maluco da América que cria um capacete de realidade virtual ou Internet, vem um Baudrillard ou Delleuze brandindo palavrões como "rizoma", "desterritorialização" e "virtualização".
Parece que o pragmatismo surdo de uns precisa da verborragia de outros. O que seria do faroeste sem o "Cahiers du Cinéma"?
Só que, talvez por um pouco de ressentimento com os americanos tão ricos e objetivos, os franceses andam meio ácidos e mal-humorados. Seu "béarnaise" às vezes acaba por apenas azedar o hambúrguer americano.
Pierre Lévy é uma saudável exceção. Quem não se deixar espantar pelo título-clichê de "O Que É o Virtual?" (editora 34), que acaba de ser lançado no Brasil, vai descobrir um livro interessantíssimo.
Lévy desmonta pacientemente o processo de virtualização do corpo, da comunicação e da economia, tirando aos poucos o glacê kitsch da palavra "virtual". Para ele, real e virtual não são uma dicotomia, mas pontas de um processo que está sempre se refazendo.
Lévy faz um fascinante passeio pela história da técnica e da linguagem humanas, recusando o alarmismo fácil que enxerga apocalipses a cada esquina. Analisa efeitos da virtualização no trabalho, na afetividade, na noção do corpo.
Dedica alguns capítulos à Internet, que descreve como uma utopia tecnopolítica. Para ele, estamos numa encruzilhada entre várias concepções do virtual. Ou a Internet passa a reproduzir o consumo de informação mercantil e a exclusão ou é preservado seu potencial como instrumento de um "coletivo inteligente" servindo ao compartilhamento de memórias e experiências.
Lévy jamais perde de vista aquilo que os americanos parecem tão ansiosos em retalhar, transformar, se possível chutar para baixo do tapete: a carne, coitada, humilhada e magoada pela virtualização.
Ele lembra que a "virtualização é uma guerra contra a fragilidade, a dor, o desgaste". Mas diz: "Gosto do que é frágil, evanescente, único e carnal. É justamente porque o real é tão precioso que devemos com a maior urgência pensar e aclimatar a virtualização que o desestabiliza".
Afinal, como já dizia Woody Allen, podemos detestar a realidade, mas é o único lugar onde se pode comer um bom filé.

E-mail: netvox@uol.com.br

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