São Paulo, terça-feira, 22 de outubro de 1996 |
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Da marcha de um milhão de homens e dólares
MARILENE FELINTO
Para o turista, é irritante saber que tem que voltar ao Brasil, vindo dos Estados Unidos, com espremidos US$ 500 em compras -porque aqui nos EUA tudo (ou quase) é de melhor qualidade e mais barato. Como a cultura americana valoriza a independência do indivíduo e sua capacidade de solucionar problemas sozinho, tudo aqui é feito para facilitar sua vida -a ponto de incutir nele uma vaga prepotência de super-homem. Desse modo vejo acontecer a cena diária de Tim ou Jim ou Joe, o jovem americano na faixa dos 30. Apesar dos cinco graus lá de fora, o aquecimento central permite que ele use bermuda dentro de casa. Grande, branco, pernas e coxas fortes, ele se abaixa para consertar uma porta de armário. A furadeira movida a pilha toca a madeira e gira leve e silenciosa como eu nunca vi. Num minuto integram-se homem atraente e ferramenta suave na cena erótica. No minuto seguinte soa o "pager" (bip) que ele atende diligente. Em segundos Tim desliza com intimidade do pager para o telefone. É trabalho. Em pouco tempo estará nas ruas movimentando gruas que movimentam câmeras em sets de filmagem na cidade diuturnamente cinematográfica. Mas antes ele lava cenouras e beterrabas para um suco que a máquina (uma "fruit and vegetables juicer") tritura e espreme rápida. Depois, abre seu Macintosh, confere os e-mails, manda um fax e sai para o sonho do um milhão de dólares. Em dez dias de trabalho, e sem diploma universitário, ganhará US$ 3.000. Ele vive em Nova York, "The City of Ambition" (a cidade da ambição). * Inevitável notar a ambição das cifras na cultura americana -do um milhão de dólares ao um milhão de homens. Até na cacofonia da "luta" por direitos civis -de negros, hispânicos, indianos, homossexuais etc.- reproduz-se o raciocínio do um milhão. Não é à toa que o líder negro americano Louis Farrakhan arregimentou um milhão de homens negros (mulheres não entravam) para uma marcha de protesto no ano passado. Não é à toa que Farrakhan é uma estranha mistura de aiatolá islâmico com revolucionário de direita -nada mais espelho para a virilidade da cultura americana do que o arraigado machismo do Islã. Na comemoração de um ano da marcha, celebrada ao ar livre por 50 mil negros aqui em Nova York na semana passada, Farrakhan contraditoriamente combateu o aborto e a violência policial contra negros e homossexuais. Nada mais oposto à dureza dos super-homens que a permissividade afetiva entre homens, típica do mundo árabe. Mas a "Nação do Islã" é tema para ao menos um segundo artigo sobre essa americaníssima marcha do um milhão. E-mail mfelinto@uol.com.br Texto Anterior: Prefeitura diz não ter plantado Próximo Texto: Computador avalia menor da Febem Índice |
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