São Paulo, quarta-feira, 23 de outubro de 1996
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Muito além de cifrões

JANIO DE FREITAS

Os 2.000 anos de celebridade da tática de lavar as mãos não proporcionaram nem 72 horas de escapismo ao economista Paulo Renato Souza, que preenche o lugar de ministro da Educação. Tirar o corpo fora tem sido sua atitude constante em todas as questões incômodas, mas o acinte com que o fez agora, afirmando e logo desafirmando mudanças nas regras de mensalidades escolares, excedeu sua característica: afinal, as regras não mudam, como diz agora Paulo Renato, ou mudam, como são os estudos em curso na Secretaria de Acompanhamento Econômico da Fazenda, por delegação do lavador das próprias mãos?
Nem nas idas nem nas vindas, Paulo Renato quer abandonar o seu argumento primordial sobre a escola particular: "Preço de mensalidade escolar é uma questão comercial, não educacional". Sendo assim, haveria aí uma oportunidade de Paulo Renato parar de lavar as mãos e pô-las, por uma vez, na massa, que economistas transitam bem quando há cifrões envolvidos. Mas não se deu isso e a questão não é só comercial, como saberia qualquer ministro da Educação.
Mesmo a Paulo Renato não será difícil entendê-la, já que é um dos propagadores da idéia de que a população está se alimentando muito mais, graças ao maior acesso a alimentos proporcionado pela estabilidade dos preços. Logo, o próprio Paulo Renato reconhece que o preço é fator determinante na alimentação. Talvez conviesse, para a melhor compreensão de Paulo Renato, citar o abominável lugar-comum do pão de espírito, que, suponho, lhe soaria, e não menos nos salões planaltinos, como uma tirada intelectual.
Mas aqui, não. Aqui imperam as tiradas fernandistamente definidas como burras. Paulo Renato que faça, pois, o esforço de um raciocínio em que substitua os alimentos e seus preços pela escola particular e suas mensalidades.
A propósito, em longa e civilizada correspondência motivada pelo artigo de ontem, o secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Bolívar Moura Rocha, historia sua atividade em torno dos atrasos de pagamento às escolas e da possível modificação na medida provisória das mensalidades.
Moura Rocha anexa alguns documentos, confirma a influência comprovada do "marcado aumento de preços" (ou mensalidades) no grande volume de atrasos, mas considera, sem oferecer comprovação, que boa parte da inadimplência é voluntária, "em razão do relativo conforto que a regra da lei (na verdade, só uma medida provisória) confere".
No geral, Moura Rocha reproduz declarações anteriores, no sentido de que qualquer inovação da regra só vigore em 97 e sua aplicação só se faça se fracassem as negociações entre a escola e o devedor de mensalidade. Um ponto, porém, a destacar: "Não mencionei 'diversas punições' e muito menos a 'retenção dos documentos do aluno"'.
Transcrevo o "Correio Braziliense": "O secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Bolívar Moura Rocha, admitiu ontem fazer alterações na atual MP que impede as escolas de reter documentos (...)". Ainda assim, admita-se que as alterações não implicassem retenção de documentos. Já "O Globo", relatando a mesma entrevista, foi explícito: "De acordo com o secretário, as sanções administrativas, como a rescisão de contrato ou a retenção de documentos, só serão adotadas se não houver acordo (...). 'Qualquer punição será precedida de uma negociação entre as partes -frisou Moura Rocha".
Nenhuma das palavras e expressões aqui atribuídas a Moura Rocha foi criada aqui.

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