São Paulo, sábado, 26 de outubro de 1996
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Participação às avessas

ALVARO VALLE

Em alguns países, o voto é facultativo. Se o cidadão abdica de seu direito à participação, ele simplesmente não vai votar. Parece-me um processo mais democrático. Não obriga, como no caso do Brasil, o eleitor não participante a perder seu tempo para votar em branco. Como existe sempre a possibilidade do voto em branco, o voto obrigatório torna-se uma balela e serve apenas para açular demagogos e marqueteiros políticos, que se especializam em capturar o alienado. Em vez de tentar conscientizá-lo.
Esse raciocínio não se aplica ao voto nulo. Como, no Brasil, temos a obrigação de votar, fica a opção legítima do voto em branco, se quisermos caracterizar a nossa não-participação. O voto nulo só se justificaria se o processo eleitoral estivesse, no nosso entender, viciado. Então, ele teria sentido por traduzir um protesto, como já aconteceu em décadas passadas. Na eleição do Rio, o voto nulo caracterizará um protesto. Mas um protesto contra a maioria dos eleitores do primeiro turno. Ou seja, contra o sistema democrático.
A recomendação feita pelo PT a seus militantes cariocas é inacreditável. O partido participou de todo o processo. Seu candidato a prefeito chegou às eleições com fundadas esperanças de disputar o segundo turno. Como não ganhou, avisa que sai do jogo. Isso revela o grau de autoritarismo a que chegaram alguns setores políticos que dizem pregar a democracia, ou seja, o respeito à vontade popular e a regras políticas e eleitorais preestabelecidas. Eu não consigo imaginar como um verdadeiro democrata pode justificar-se, quando afirma que só respeita eleições quando as ganha.
O voto nulo é a participação às avessas. É a participação, pelo protesto, contra as regras, que foram aceitas, de um jogo do qual o PT participava, enquanto achava poder ganhar.
O PT do Rio de Janeiro criou também problemas para seções do partido em outros Estados, a começar por São Paulo. Como o PT paulistano vai poder esperar o apoio do PSDB para Erundina?
Os autocratas sonham impor as suas normas de convívio político, sem diálogo e sem concessões ao entendimento. O que caracteriza o pensamento democrático é exatamente o contrário. O democrata procura vencer com suas idéias, mas está aberto ao diálogo e preparado para a transigência. A decisão do voto nulo, infelizmente, mostra que alguns petistas ainda não se prepararam nem para a transigência nem para o diálogo.

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