São Paulo, domingo, 27 de outubro de 1996
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Ameaça de prisão faz homem se preocupar com contracepção

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

A precisão dos testes que determinam a paternidade -como o DNA e o HLA- e o acesso cada vez mais fácil a eles estão forçando os homens a adotar novos comportamentos diante da sexualidade e da paternidade.
Em face de uma lei que coloca a filiação como direito inalienável, o homem está sendo obrigado a se preocupar com a contracepção.
Engravidou alguém, terá de arcar com o filho. Ou corre o risco de parar na cadeia.
"Toda relação sexual potencialmente pode gerar filhos, mas até agora só as mulheres têm se preocuparam com isso. O homem tem estado numa posição confortável. Com o DNA, terá que se preocupar", afirma Leila Linhares, advogada e diretora da Cepia, uma organização não-governamental carioca que trabalha com direitos humanos, sexualidade e reprodução.
Para os movimentos de mulheres no Brasil, o homem tem informação e acesso a meios contraceptivos. Pode usar preservativo, por exemplo. Em último caso, poderá fazer vasectomia. Se não fizer nada, arcará com as consequências.
"O homem não pode mais deixar na mão da mulher a possibilidade de ter filhos", alerta Margherita Mascarenhas Duarte, da assistência judiciária do Estado.
A situação pode parecer ainda utópica, mas teoricamente a mulher ocuparia uma posição privilegiada com relação à reprodução. Se evitar filho passou a ser tarefa do homem, a gestação é exclusiva da mulher, embora possa ser decidida a dois.
"Homem e mulher são co-participantes na reprodução, mas o corpo feminino é o reprodutivo", afirma Margareth Arilha, secretária executiva da Comissão de Cidadania e Reprodução.
Quando o aborto vier -no Brasil ele é ainda é proibido por lei- o homem perceberá que seus poderes são ainda mais limitados. Os grupos de mulheres defendem, por exemplo, que cabe à mulher decidir se quer ou não interromper uma gravidez.
Leila Linhares entende que, se o homem quer o aborto, prevalecerá o direito da mulher. Se o homem quiser o filho -e a mulher o aborto- prevalecerá o aborto.
Numa sociedade em que a interrupção da gravidez é legal, a vontade do homem poderá ser levada à Justiça. Ainda assim -acredita Leila- deverá prevalecer o direito da mulher. "Os riscos e as consequências de uma gravidez são da mulher. Por isso a decisão de ter ou não ter filhos é só dela."
Por enquanto, esse debate é teórico. O que já vem ocorrendo no Brasil, a exemplo de muitos outros países, é uma participação do homem nos discussões sobre reprodução e sexualidade.
"Os homens, principalmente os da classe média, estão começando a rever seus papéis e posições diante das mudanças na sociedade", afirma Margareth.
A presença do masculino nos direitos da reprodução vem crescendo desde a Conferência do Cairo, em 1994. Em capitais como São Paulo e Rio há grupos de homens que se reúnem para debater seus novos papéis. Diante de uma mulher participante e cada vez mais ativa, os homens perderam sua função de provedor e estariam em busca de novas formas de participação.
(AB)

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