São Paulo, domingo, 27 de outubro de 1996
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Perversão tributária

OSIRIS LOPES FILHO

A campanha para a introdução do imposto único no país teve algumas virtudes. A mais significativa decorreu da adesão de setores importantes da opinião pública a tal idéia.
A aceitação de um imposto tão simplório demonstrou a existência de um sentimento de resistência, de revolta, contra a injustiça da efetiva distribuição da carga tributária e da labiríntica complexidade da nossa legislação tributária. Há uma vontade popular pela simplificação.
Outra consequência importante foi a introdução de nova nomenclatura na crítica tributária.
Denunciou-se a prevalência, no conjunto tributário, de impostos declaratórios. Vale dizer, a mecânica desses impostos depende fundamentalmente da colaboração e boa vontade do contribuinte.
Ele pratica o fato econômico submetido à incidência do imposto, faz o registro nos seus assentamentos contábeis, presta informações ao fisco e, principalmente, paga o tributo. O sistema só funciona se o contribuinte colaborar.
Poucos são os impostos em que o fisco determina diretamente o valor devido. Os exemplos mais conhecidos são o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) e o IPVA (Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores).
Essas observações são pertinentes, em face do projeto de lei encaminhado, pelo Executivo federal, que trata das alterações tributárias adicionais para o ano de 1997.
Alterações adicionais, pois a tosquia realizada durante o ano não tirou o pêlo, mas agrediu a carne e os músculos do contribuinte.
Essa agora é elefantina, melhor dizendo, tratoral. Muda no atacado. É um volumoso conjunto de 80 artigos.
O seu pressuposto é de que o bolso dos contribuintes tem a flexibilidade do hímen complacente. Topando tudo, inclusive estupro tributário. A inspiração dominante é a de que o Executivo tudo pode neste país. Onipotente. Inclusive inverter o sentido tradicional dos vocábulos. Declara-se, na exposição de motivos, que o objetivo é a simplificação. É o cinismo como linguagem governamental.
A esperança reside em que haja no Congresso Nacional deserções da família Carneiro -dócil e que se alimenta dos agrados e afagos do Executivo- e que os parlamentares assumam a sua função de representantes do povo, e deixem de compor o amestrado rebanho tangido pelo governo federal.
A mercurialidade legislativa não pode continuar regra geral no país.

Osiris de Azevedo Lopes Filho, 57, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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