São Paulo, domingo, 27 de outubro de 1996
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No futuro cada um pode ter sua emissora de TV

GILBERTO DIMENSTEIN

É impossível um assalariado ter sua própria emissora de televisão, competindo com Roberto Marinho ou Silvio Santos. Certo? Errado.
Com o avanço tecnológico, qualquer indivíduo dotado de computador, linha telefônica e câmera de vídeo -ou seja, menos de R$ 5 mil- estará habilitado a transmitir programação de televisão 24 horas por dia.
Pesquisadores estimam que o telespectador terá à disposição, em menos de dez anos, milhões (isso mesmo, milhões) de canais de TV. Maluquice?
"Trabalhamos muito seriamente com essa perspectiva, e quem não se preparar vai ter dificuldades", diz John Pavlik, responsável por um dos mais importantes laboratórios de tecnologia aplicada ao jornalismo dos EUA.
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Pavlik é diretor-executivo do The Center for New Media, da Escola de Jornalismo de Columbia.
Naquele laboratório não se pesquisam apenas formas diferentes de se transmitir uma notícia. Mas, em essência, os novos poderes dos indivíduos numa sociedade. Entre eles, ter uma emissora de TV, com pouco dinheiro.
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Não é maluquice futurista de acadêmicos distantes da realidade. "O essencial está inventado e em teste. Só falta melhorar, o que pode demorar menos de três anos", sustenta Pavlik.
Fácil de entender. Já existem hoje em experiência canais de televisão pela Internet. As imagens passam pela linha telefônica e aparecem na tela do computador. Um indivíduo em São Paulo, Belo Horizonte, Quito ou Londres capta essas imagens ao preço de uma chamada local.
As experiências mostram, porém, que a imagem ainda não está boa. Mas muita gente talentosa (e com muito dinheiro) está tratando de ampliar e facilitar a transmissão por linhas telefônicas.
Traduzindo: o telespectador teria uma imagem com a mesma qualidade de sua TV comum. Então qualquer um conseguiria montar um estúdio em sua casa e sair caçando a atenção dos telespectadores.
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Claro que não vai ser fácil para o cidadão comum transmitir uma programação atraente, capaz de competir com as emissoras regulares. Mas é um instrumento de poder jamais imaginado para inúmeros segmentos da população.
Por exemplo: um sindicato teria uma linha direta com seus associados, transmitindo informações como numa teleconferência. Uma dessas emissoras via Internet, aqui, é destinada ao público gay. Com imagens que o leitor pode adivinhar, a emissora gay chegou a transmitir um campeonato para escolher o dono do maior pênis.
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Uma ou duas emissoras desse tipo não tiram o sono das grandes redes. Suponha-se, entretanto, que sejam milhões, espalhadas em todos os países, atendendo aos mais variados gostos, de cinofilia à filatelia ou discos voadores.
Aumentaria ainda mais a guerra pela atenção dos indivíduos. As redes de televisão americanas constataram que caiu a audiência dos programas infantis. Descobriram que as crianças estavam desligando a TV para brincar no computador ou no videogame, até então insuspeitos competidores.
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A redação da Escola de Jornalismo de Columbia investe no nascimento de um novo consumidor de informação. E trabalha na formação de um novo tipo de jornalista.
A redação integra num mesmo ambiente todos os meios de comunicação. Aposta que as imagens, sons e textos serão transmitidos por um único fio e desembocarão num único aparelho. Aliás, já estão à venda televisores que executam as tarefas do computador.
"O repórter do futuro deve saber escrever, escolher fotos, operar vídeo, editar som e interagir com o leitor", aposta Pavlik. "Ele vai ter de aglutinar os conhecimentos de um repórter de jornal, rádio e TV, além de manejar a Internet."
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Traduzindo mais uma vez: o leitor lê a reportagem sobre a entrevista do presidente. Com um clique, pode vê-la; outro clique e tem acesso ao comentário em vídeo do repórter. Se quiser saber mais, receberá na tela do computador listas de bancos de dados e de artigos analíticos.
"Pode parecer estranho hoje. Mas também muita gente nas redações achou estranho e reagiu quando tiraram as máquinas de escrever", afirma Pavlik.
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Quem quiser se aprofundar nesse tema, recomendo digitar http://www.ctr.columbia.edu/vi/papers/citipres.htm.
Também recomendo um projeto chamado "Notícias no Futuro", realizado num dos principais centros de tecnologia de informação do mundo, o Instituto de Tecnologia de Massachusetts. O endereço é http://nif/www.media.mit.edu/alt/index.htm.
PS - Contrastes de Nova York. Na terça-feira à noite, Arnaldo Jabor caminhava pela Broadway, próximo ao laboratório de Columbia, quando um mendigo se aproximou e pediu esmola.
Sem titubear, Jabor sacou uma nota de US$ 5. Diante do espanto dos outros brasileiros, ele explicou, com seu habitual bom humor: "Nunca pensei que fosse dar esmola para americano. Você não pode imaginar como me sinto superior..."

E-mail GDimen@aol.com
Fax (001-212) 873-1045

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