São Paulo, domingo, 27 de outubro de 1996
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EVOLUÇÃO LENTA

Em 1950, o papa Pio 12 já via no evolucionismo darwinista "uma hipótese digna de investigação e reflexão profunda". Nesta semana, o papa João Paulo 2º afirmou que "os novos conhecimentos e as descobertas obtidas em várias disciplinas levam a reconhecer a teoria da evolução como mais que uma hipótese".
Há assim indícios de que, contrariando em parte o perfil conservador da instituição, setores da Igreja Católica vêm procurando, ainda que muito lentamente, ao menos adaptar sua doutrina às novas demandas do mundo contemporâneo.
A admissão dos erros cometidos no julgamento de Galileu, a receptividade à hipótese da existência de vida em outros planetas, a alteração na ortodoxia litúrgica desde o Concílio Vaticano 2º e a aceitação de certas práticas defendidas pela Teologia da Libertação mostram que há na instituição grupos que se vêem obrigados, mesmo a contragosto, a travar algum diálogo com a modernidade.
Causa, porém, inevitável estranheza o fato de que esses avanços, restritos ao âmbito doutrinal, ainda convivam com disposições claramente conservadoras, como a condenação inflexível do aborto e dos métodos artificiais de contracepção, a resistência em abordar a realidade do homossexualismo e a lamentável reprovação do uso de preservativos.
Mais do que uma aparente ambiguidade, o que se nota na posição da igreja é uma tentativa -ao que tudo indica, inócua- de manifestar algum tipo de avanço somente em relação a questões que afinal pouco repercutem no cotidiano dos fiéis. Pronunciar-se em relação a teorias científicas é, sem dúvida, mais cômodo do que dar respostas claras àquelas questões sociais que mais diretamente sensibilizam os homens.
Esse desafio a igreja vem enfrentando com lentidão que parece comprometer o prestígio que, até um passado recente, a instituição logrou desfrutar. Daí talvez a procura por seitas que, mesmo incidindo em comportamentos muitas vezes condenáveis, procuram hoje se colocar mais próximas aos anseios populares.

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