São Paulo, domingo, 27 de outubro de 1996
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A náusea e a lesma

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Alguns leitores reclamaram da veemência de algumas crônicas que publiquei semana passada. Estranham minha indiferença para com as eleições municipais, pelo fato de não comentar as pesquisas que dão vitória, "se a eleição fosse hoje", a fulano ou a beltrano. Tampouco me preocupo sobre quem vai votar contra ou a favor da reeleição. Esse tipo de jogo me nauseia.
E se os profissionais da política acham que os jornalistas, uns pelos outros, os levam a sério, deixo bem claro que não levo nenhum deles a sério. Para dizer o menos.
Nada devo a nenhum deles. De certa forma eles me devem, pois são pagos com um dinheiro que em parte insignificante sai do meu bolso. Que eles fiquem sabendo que, entre 150 milhões de brasileiros, pelo menos existe um que pensa deles o pior. Posso estar errado em apreciações circunstanciais. Por falta de informação detalhada, posso cometer algumas injustiças.
Mas estou seguríssimo de que expresso uma opinião nascida da grande náusea pela política, tal como ela se apresenta. Lembro um político famoso, que teve todo o poder em seu tempo, caiu em aposentadoria e sofria pela falta de notícias de suas "bases". Em quem estaria votando o fulano? E aquela verba para a ponte sobre o rio tal que o prefeito aliado não usou e por isso perdeu a votação na Câmara Municipal? E por que a bancada cearense ia negar quórum naquele projeto que aumentava a verba da merenda escolar?
Bem, esse tipo de profissional ainda se compreende, é perdoável pela sua mesquinha visão do fato político. Pior mesmo é o oportunista que metaboliza tudo em proveito próprio, que nega hoje o que disse na véspera e cujo amanhã é escorregadio como a lesma em cimento coberto de limo.
Taí, descobri a razão da náusea. Tenho-a desde criança, quando penso em lesmas.

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