São Paulo, domingo, 27 de outubro de 1996
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Oito ou oitenta

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

No Japão também há choramingueira. Mas as razões são outras. Acredite se quiser: os japoneses estão se queixando de juros muito baixos. Que ironia...
Para os japoneses, pensar no futuro é essencial, pois certos bens só podem ser comprados na meia-idade. Uma casa de 36 metros quadrados, a duas horas de Tóquio pelo trem-bala, custa US$ 200 mil!
Os japoneses poupam a vida inteira para, quase no fim da carreira, adquirirem uma "casinha de boneca". Quando só o chefe trabalha, as famílias poupam cerca de 20% da renda. Quando marido e mulher trabalham, a poupança chega a 30%.
Para um povo acostumado a depositar no banco as esperanças do futuro, uma queda brusca na taxa de juros é de matar. É isso que está acontecendo. Os japoneses que guardaram dinheiro a vida toda estão recebendo uma remuneração que mal cobre a inflação do país.
Até pouco tempo, uma poupança equivalente a US$ 50 mil rendia mais de US$ 4.000 por ano. Hoje, rende uns míseros US$ 250. Para quem depende desse rendimento para viver, a nova situação é desesperadora.
"Ninguém aguenta viver com juros tão baixos" -chiam os aposentados japoneses (Sheryl Wu Dunn, "The heavy burden of low rates", "New York Times", 14/10/96).
Entre 1990 e 1996, as taxas de juros no Japão despencaram de 8,3% para 0,5% ao ano. Essa redução foi provocada pelo governo japonês -não como uma maldade contra a terceira idade, mas para reativar a economia que estava em recessão.
Aparentemente, a estratégia está dando certo. Com base nos resultados do primeiro semestre, tudo indica que o Japão vai crescer cerca de 8% em 1996. É uma bela recuperação. Isso vai gerar muitos empregos; aumentar a renda; ampliar a base de arrecadação de impostos e, enfim, recolocar o Japão na trajetória do progresso.
Trata-se de uma política monetária clássica. O inverso da nossa. No Brasil, o desemprego e o trabalho informal atingem quase 60% da força de trabalho. A necessidade de crescer rapidamente é urgente. Mas o governo mantém os juros nas nuvens.
Com uma inflação mensal próxima de zero, juros de 4% ao mês para desconto de duplicatas representam cerca de 60% ao ano! Se retirarmos a inflação estimada para 1996 em 12%, ainda assim remanesce uma taxa de juros reais de 48% ao ano.
Se o Japão precisou baixar os juros para 0,5% a fim de reativar a economia, o que podemos esperar do Brasil, com juros de 48% ao ano? Lá os poupadores reclamam, mas, com um crescimento de 8%, há uma luz no fundo do túnel. Aqui, os produtores se vêem impedidos de investir para ampliar o emprego. Se a globalização é geral, por que não globalizar os juros?
Enquanto isso não acontece, a Embratur poderia incluir nos seus programas de promoção no exterior as sedutoras taxas de juros oferecidas pelos bancos e governo brasileiros -com a condição, porém, de virem para cá apenas os capitais produtivos.

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