São Paulo, segunda-feira, 28 de outubro de 1996
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ALDEIAS GLOBAIS

Verificaram-se recentemente inusitados conflitos nas relações entre as comunidades indígenas e o governo federal. Em comum, uma nítida mudança na pauta e na estratégia de reivindicações dos índios.
Na quinta-feira retrasada, índios guajajaras de Grajaú (MA) sequestraram cem pessoas e bloquearam uma estrada em cuja beira vendem peças de artesanato, exigindo sua pavimentação. Na terça-feira, índios xavantes invadiram a Funai em Brasília e imobilizaram seu presidente para que assumisse uma posição sobre a suposta extinção da Fundação. E, na quinta-feira, índios caingangues mantiveram como reféns o administrador regional da Funai e o coordenador do Incra em Chapecó (SC), forçando-os a discutir com a aldeia a demarcação de terras na região.
Mais do que coincidência, a truculência dos acontecimentos indica que, no processo de aculturação dos índios, não somente seus hábitos se alteraram, mas também suas exigências e as táticas com que pretendem ver atendidas suas reivindicações.
Mais do que isso: assimilando formas violentas de pleitear seus direitos (muito semelhantes às que conheceram no convívio compulsório com os "civilizados"), os índios inevitavelmente acabam por adotar comportamentos presentes nas sociedades que lhes aculturaram, sobretudo entre as minorias.
O curioso (e talvez perverso) nesse processo é que, quanto mais se alterarem os hábitos dessas comunidades, mais difícil será justificar antigas demandas. Como defender, por exemplo, a demarcação de extensas terras para a manutenção de práticas como a caça e pesca, à medida que os índios forem se tornando cada vez mais sedentários (como são, aliás, seus aculturadores)?
Entre a aculturação que pretende preservar o que lhes resta e aquela que procura inseri-los de vez na chamada "civilização", os povos indígenas parecem incorrer nos abusos típicos de certas formas de enfrentamento com o poder público.

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