São Paulo, segunda-feira, 28 de outubro de 1996
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A corte dos intelectuais

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Em princípio, nada tenho com ou contra a vida dos outros, mas se há uma coisa que me incomoda é ver amigos e companheiros de profissão ou lazer fazendo platéia, engrossando o mingau dos candidatos aos chamados cargos eletivos. É um tipo de engajamento anacrônico que, em parte, compromete um ofício vagamente tido como intelectual.
De tempos em tempos, as sociedades são agredidas por regimes de força e, aí, a tradição e a vergonha exigem que o artista e o intelectual, respeitadas as características e possibilidades de cada um, tomem posição política, expressando aquilo que se convencionou chamar de "consciência social".
Não é o caso das eleições municipais de agora, onde não há qualquer questão ideológica em causa, com os principais candidatos (e o eleitorado de maneira geral) preocupados em fazer ou não fazer túneis ou casas populares.
A corte de artistas e intelectuais em torno desses candidatos é apenas a velha e desenfreada busca de posições e empregos, fatias mesquinhas do poder que, nem sempre com boa vontade, os governantes reservam para a classe.
Em geral, sobram para esses engrossadores de opinião as migalhas da administração, cargos sem verbas e verbas sem cargos específicos, que ficam mofando nos orçamentos até que terminam comprando goiabada para o palácio do governo.
Depois da agonia de Tancredo, aproveitando o clima do "não vamos nos dispersar", José Sarney convidou e insistiu com Fernanda Montenegro para assumir o Ministério da Cultura. Ela recusou, cordial e educadamente.
É com tristeza que vejo esse assanhamento eleitoral de artistas e intelectuais em torno de candidatos que exibem o apoio de fulano e beltrano, numa contabilidade que se torna ridícula. Cada um tem o direito de apoiar esse ou aquele, mas sem o torpedo que é colocado no bolso da futura autoridade, cobrando antecipadamente o compromisso.

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