São Paulo, domingo, 3 de novembro de 1996
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Nesta data querida

JANIO DE FREITAS

Depois de amanhã faz um aninho o gracioso programa de socorro a bancos e banqueiros, o Proer criado às pressas para socorrer com R$ 6 bilhões os donos do Banco Nacional e, depois, outros banqueiros com mais R$ 7 bilhões. Mas não é a felicidade dos banqueiros que dá a nós outros, os desbancados, motivo para atribuir importância ao aniversário. É, sim, o que esta data singela retrata da situação política e institucional a que o Brasil está sujeitado.
O Proer completa um ano, seu prazo de vigência está expirando, esbanjou dinheiro público como nenhum outro programa fez jamais -e nunca chegou a ser lei, nunca passou de medida provisória. Não de uma. De 12, sucessivas, uma a cada 30 dias, cada qual renovando a anterior que o Congresso não quis aprovar ou derrubar no prazo constitucional de um mês.
Isso é possibilitado pela conjugação de dois aspectos atuais. De uma parte, há a falta de cerimônia do governo para emitir medidas provisórias, cujo número já está bem avançado no segundo milhar. De outra, a irresponsabilidade dos dirigentes do Congresso e líderes de bancadas governistas, evitando votações desgastantes para Fernando Henrique Cardoso. O resultado é que as medidas provisórias, postas na Constituição para atender emergências, transformaram-se em atos institucionais com outro nome.
O presidente não quer se dar aos aborrecimentos de mandar projetos ao Congresso e lança as MPs, como os ditadores faziam, pelos mesmos motivos, com decretos-leis e atos institucionais. Os 90% de farsantes do Congresso fingem que não viram. O Supremo Tribunal Federal, se forçado a se pronunciar, não tem faltado ao governo com o bálsamo de suas interpretações.
E assim temos a aberração absoluta: em regime dito de democracia constitucional, o pequeno grupo central do poder impõe ao país o que quiser, com as medidas provisórias, e estende-as pelo prazo que quiser, mesmo que isso custe fantásticos R$ 13 bilhões dos cofres fechados para infinitas necessidades verdadeiras e nacionais.
Presidente do Senado, José Sarney acenou com alguma providência parlamentar que restringisse as MPs de Fernando Henrique aos casos previstos na Constituição. E o estudo da tal providência foi entregue ao senador José Fogaça, gaúcho do PMDB governista e, com estas qualidades, já citado para o Ministério dos Transportes, que não deixou de ser área reservada ao PMDB gaúcho pela forçosa demissão de Odacir Klein.
É claro que a proposta de Fogaça, ao final de meio ano de reflexões ou de chimarrões, o que não faz diferença, evitar qualquer restrição à sanha de MPs em quantidade, apenas estabelecendo prazo para sua votação no Congresso. O mesmo prazo, aliás, que já está fixado na Constituição desde 88.
Mais "provão" Em carta à Folha, mandada escrever por seu chefe Paulo Renato Souza, o chefe de gabinete do ministro da Educação, Edson Machado de Sousa, comentou a nota "Mais um provão", sobre o autoritarismo que introduziu o "provão" já suficientemente criticado pelo Conselho dos Reitores das Universidades Brasileiras.
Desconheci de fato, como diz a carta, que o "provão" figure na lei 9.131 de 95. Foi uma falha da nota, entre outros motivos porque citá-la teria comprovado, em termos do próprio governo, o autoritarismo referido.
Dois aspectos que o caracterizam, e não mencionados na nota, encontram agora a oportunidade de referência. O primeiro é, ainda, referente à recusa de diplomação a quem falte ao "provão".
Há incontáveis motivos capazes de forçar a ausência. Mas o diplomando atingido por um deles levará pelo menos meio ano, segundo os prazos citados por Paulo Renato, para comparecer a outros provão. Nesse caso, mesmo com desempenho universitário excelente, não poderá exercer a profissão para a qual foi aprovado pela faculdade. Isto é de uma brutalidade, sem falar no cretinismo, só comparável a certos períodos do Ministério da Educação na ditadura.
Como complemento, enquanto o bom aluno ausente ao "provão" é proibido de diplomar-se, quem tirar nota vergonhosa poderá diplomar-se, só por ter comparecido ao "provão" do economista Paulo Renato Souza.
As idéias de justiça, equidade, equanimidade e congêneres deixaram outra vez de ser elementos dos objetivos pedagógicos. Nada de mais, se até o saber foi para corner, substituído pela simples presença física.

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