São Paulo, domingo, 3 de novembro de 1996
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Grupo faz vigília por professor

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Durante um dia e uma noite, familiares e amigos ficaram na frente do sobrado de número 77 rezando para que o professor Marco Antonio Oliveira fosse encontrado vivo embaixo das lajes. O corpo de Marco Oliveira já tinha sido levado pouco depois da tragédia, misturado às vítimas do vôo 402.
Oficialmente, o professor foi o único morador da rua que morreu. O professor Marco -como era conhecido- é também uma espécie de ídolo da ladeira Luis Orsini de Castro. Era conhecido por todos os moradores e dava aulas na escola Ângelo Mendes de Almeida, que fica no alto da rua.
Aos alunos que não iam bem nos cursos, ele ensinava em casa. "Fazia isso porque gostava. Emprestava livros, tinha paciência e não cobrava nada", conta Gisele Nascimento Padilha, 15, que mora num sobrado em frente.
Marco ensinava física, matemática e ciências. "Eu odiava essas matérias até que caí com o professor Marco", conta o ex-aluno e vizinho Rodrigo Fernandes, 20.
Na escola, era ele que "animava o grêmio e dava a maior força nos campeonatos". "Jogava sempre com a gente", disse Rodrigo.
Para reforçar o salário de professor do Estado, ele tocava um pequeno comércio de autopeças que funcionava na própria casa. Com o dinheiro, tinha reformado o amplo sobrado da frente que dividia com a mãe e a família do irmão, Wagner Oliveira, 37.
Tinha planos de se casar no próximo ano e ocupar a parte de cima da casa. Foi justamente o pavimento superior do sobrado que teria atingido seu corpo quando a asa do avião derrubou as paredes.
Como fazia todos os dias, Marco estava carregando o Fiat Panorama junto com o Dirceu Barbosa Geraldo quando o avião caiu. Tudo o que se sabe é que Geraldo foi atingido pela querosene do avião e seu corpo pegou fogo.
Pagode e samba
Na tentativa de ajudar, o professor teria entrado na casa à procura de água. Depois desapareceu. Até a madrugada do sábado, seu corpo não tinha sido identificado. Geraldo foi socorrido e hospitalizado com queimaduras graves.
A sobrinha Fabíola de Paula Oliveira Costa, 17, foi uma das que mais sentiu a morte de Marco. "Ele era como um pai para mim", diz. "Era a alegria da casa, fazia a gente estudar, tomar jeito."
Outro sobrinho, Thiago de Oliveira Geraldo, 11, fala do tio como herói. "Adorava o Palmeiras, tocava pandeiro e cavaquinho." Marco gostava de beber cerveja com amigos e de dançar pagode e samba com a namorada.
Nas festas e feriados, se reunia com a família numa chácara em Avaré, interior de São Paulo.
Era quem mais se ocupava da mãe, contam os vizinhos. Fazia a feira e ajudava na casa.
Na manhã da quinta-feira, Marco ficou de levar a mãe ao hospital tirar os pontos de uma cirurgia na perna. A irmã Ivone foi em seu lugar. Quando voltaram, a tragédia tinha acontecido.
O acaso salvou outras pessoas da família. Alguns já tinham saído ou escaparam sem ferimentos. A cunhada Sandra costumava levar as crianças para a escola numa perua escolar e às 8h15 estava de volta ao sobrado. Tinha o hábito de lavar a perua na calçada. Naquele dia, desviou o caminho e foi ver a mãe.
Escapou por 15 minutos.

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