São Paulo, domingo, 3 de novembro de 1996
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1ª vítima morreu porque nunca se atrasava

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

O pintor e pedreiro Tadao Funada, 64, foi a primeira vítima do vôo 402 do Fokker da TAM. Ele trocava a janela de um sobrado quando o avião atingiu o prédio, arrancando o telhado. O combustível encharcou seu corpo e ele caiu em chamas pela janela. Os passageiros e tripulantes do avião morreriam segundos depois.
Na vida de Funada tudo costumava acontecer na hora certa, dizem seus filhas. Só a morte parece ter chegado antes da hora. "Ele ainda tinha muitos planos", diz a filha Lúcia Funada Nishida, 33. Um deles era reformar sua própria casa, depois de 15 anos reformando a dos outros. "Outro plano era comprar um sítio no interior, onde descansaria na velhice", afirma a filha. Não houve tempo.
"O mal dele talvez tenha sido a pontualidade, ele nunca se atrasava", diz Lúcia. O pai costumava estar no trabalho às 8h. O avião que o matou bateu no prédio às 8h28. Na manhã de sol daquela quinta-feira, o trânsito fluía sem problemas. Funada levou 10 minutos para dirigir seu Fiat 147, bege, nos dois quilômetros que separam sua casa do sobrado que reformava.
A filha Adriana, 23, preparava o almoço esperando o pai quando ouviu pelo rádio a notícia do acidente. Alguém falava de um pedreiro japonês que teria morrido ao cair em chamas de um prédio atingido pelo avião.
Quando deu 12h20, Adriana teve certeza que era o pai. "Ele não se atrasava um minuto. Às 12h15 sempre estava em casa."
Funada nasceu no Japão e veio com dois anos para o Brasil. Sempre morou em São Paulo. Gostava tanto de motos que abriu aqui uma oficina e só deixou o negócio quando um acidente quase o fez perder o braço. Os parentes acham que o pino de platina que ainda conserva no antebraço direito vai ajudar a identificar seu corpo no Instituto Médico Legal. Até a noite da sexta-feira, ele ainda não tinha sido reconhecido.
Arroz e feijão
Funada teve três filhos e tinha três netos. A mulher morreu de câncer sete anos atrás.
Funada continuou trabalhando, morando com a filha Adriana, só ficou mais calado.
Os filhos dizem que ele nunca teve medo de avião. "Ele não tinha medo de nada", diz Lúcia. Já tinha voado para Rondônia, onde foi chamado por um amigo para trabalhar. De tempos em tempos, viajava de avião para Presidente Prudente, onde mora um primo.
Os amigos dizem que Funada tornou-se um pedreiro competente desde que fechou a oficina de motos. Fazia de tudo em uma casa: pintura, carpintaria, instalações elétricas e hidráulicas.
Era muito conhecido no bairro que tem muitas famílias de imigrantes japoneses. Na mercearia do Jardim Oriental, próximo ao sobrado onde trabalhava, Funada era muito conhecido e requisitado. Já tinha trabalho marcado para os próximos dois meses.
Os filhos dizem que o pai era forte e que não aparentava a idade que tinha. Na juventude, chegou a praticar sumô, luta japonesa reservada a competidores corpulentos que usam uma tanga reduzida.
Nos últimos anos, contentava-se em passar os feriados pescando e visitando os netos. Nunca mais voltou para o Japão e reservava a língua para conversas com poucos amigos. A comida japonesa era prato apenas nos dias de festas. "Ele gostava mesmo de arroz e feijão", diz a filha Lúcia.
Tadao Funada deve ser enterrado junto com a mulher no cemitério da Paz, em Diadema.

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