São Paulo, domingo, 3 de novembro de 1996
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Ação afirmativa também será votada

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

Há dois anos, foi a Proposição 187; desta vez, é a 209 que acirra os ânimos de grupos raciais na Califórnia (Costa Oeste dos Estados Unidos) e em todo o país.
A 187 negava todos os serviços públicos estaduais a imigrantes ilegais e seus familiares. Foi aprovada por 59% dos eleitores. Mas a lei nem chegou a entrar em vigor. A Justiça Federal a considerou inconstitucional.
A 209 tem mais chances de, se aprovada, vir a ser implementada. Ela proíbe "discriminação ou tratamento preferencial baseados em raça, sexo, cor, etnia ou origem nacional no funcionalismo, educação e contratação públicas".
Em princípio, diz Robert Post, professor de direito da Universidade da Califórnia em Berkeley, uma lei que proíbe a discriminação dificilmente poderá ser declarada inconstitucional.
Mas, diz seu colega Evan Caminker, o que importa não é o texto da proposição, sim o que está por trás dele. Na sua opinião, o fim de conquistas obtidas nos últimos 30 anos por negros e mulheres.
O texto que aparece na cédula do plebiscito não fala em "ação afirmativa", o conjunto de políticas que tentou acabar com "barreiras artificiais" à contratação pelo serviço público e à admissão em escolas de mulheres e minorias raciais.
A expressão surgiu nos anos 60, cunhada pelos movimentos negro e feminista. Mas só foi incorporada pelo governo federal em 1972, na administração de Richard Nixon, na forma da Lei da Oportunidade Igual no Emprego, sancionada como emenda à Lei dos Direitos Civis, de 1964.
Cotas na Suprema Corte
Com o passar do tempo, a ação afirmativa deu origem a um sistema de cotas raciais e sexuais no funcionalismo e no ensino públicos que, segundo seus críticos, constitui discriminação às avessas: diversos homens brancos, mais qualificados do que seus concorrentes negros ou mulheres, perderam emprego ou vaga na universidade por causa de sua cor ou sexo.
As cotas começaram a se universalizar. Até na Suprema Corte. O primeiro juiz negro, Thurgood Marshall (1908-1993), indicado por Lyndon Johnson em 1967, foi substituído por outro negro, Clarence Thomas, em 1991, por nomeação de George Bush.
Apesar da crescente oposição -em especial entre brancos e conservadores-, a ação afirmativa continua popular. Foi por isso que os autores da 209, espertamente, não incluíram a expressão no seu texto.
O jornal "The Los Angeles Times" fez duas pesquisas de opinião pública sobre a 209. Na primeira, os entrevistadores se limitavam a ler o texto oficial da proposição. Dos entrevistados, 54% disseram ser favoráveis a ela, 31% contrários e 15% estar indecisos.
Mas quando os entrevistadores explicaram que a proposição pretende eliminar os programas de ação afirmativa, só 43% a apoiaram, e 40% afirmaram se opor a ela.
Os dois principais candidatos à Presidência, o democrata Bill Clinton e o republicano Bob Dole, ficaram em cima do muro em relação à 209 até a semana passada.
Mas, afinal, ambos se definiram: Dole a favor da 209, e Clinton, contra. O presidente diz ser contra as cotas, mas a favor de dar a todos a "chance de provarem que são qualificados".
Ele usa dois adversários políticos, Clarence Thomas e o general Colin Powell, ex-chefe do Estado Maior das Forças Armadas, como exemplos de negros que não teriam chegado aonde estão se não fosse pela existência da ação afirmativa.
Dole afirma ser contra qualquer discriminação e, por coerência, a favor da 209.

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