São Paulo, domingo, 3 de novembro de 1996
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PAÍS SEM PROJETO

Parece inevitável: para o economista, o mundo resume-se a uma questão de lógica. Isso vale tanto para os que estão no governo como para os que estão na oposição.
Nas últimas semanas, algumas questões econômicas importantes voltaram a "incomodar": o governo não consegue melhorar suas contas, gastando mais do que arrecada; o país está importando muito, o que pode levar a um processo perigoso de perda de reservas. Face a essas circunstâncias, as autoridades econômicas alertam que o país não poderá crescer tanto no ano que vem. Isso pouco depois de o presidente FHC ter anunciado uma "terceira onda" e a retomada do desenvolvimento.
Esse conjunto de notícias incômodas provocou as reações de sempre. Fora do governo, aumentou o volume da gritaria contra a chamada "âncora cambial": os juros altos permitem ao governo atrair dólares, com mais dólares na praça o real mantém o seu valor e, assim, aumentam as importações mais que as exportações. A lógica indicaria o caminho: reduzir juros, aceitar uma desvalorização do real, obrigar o governo a cortar gastos.
Mas os economistas do governo também invocam a lógica: se há importações demais, a economia deve crescer menos; se perdemos reservas, deve-se facilitar a entrada de dólares; se ainda não equilibrou-se o caixa, os juros não podem cair.
Qual das "lógicas" é a correta, já que ambas são consistentes?
Evidentemente, a resposta está fora do terreno da lógica. Queiram ou não os economistas, é claro que decisões cruciais dependem não apenas de boas teorias, mas sobretudo de opções que envolvem dimensões subjetivas, políticas e até filosóficas.
O debate atual, entretanto, parece confinado à esgrima conceitual. Nem o governo, nem a oposição têm sido capazes de colocar em primeiro plano a discussão sobre valores, projetos nacionais ou setoriais.
No Executivo, prega-se um otimismo passivo que supõe ser a estabilização de preços suficiente para, no longo prazo, criar o melhor dos mundos. Na oposição, o discurso é puramente negativo, pois, se acusa a ausência de projeto do governo ou os efeitos supostamente nocivos da estabilização, não oferece alternativas.
A escolha entre discursos igualmente coerentes exigiria um grande debate -sobre desejos, projetos e hipóteses para o futuro do Brasil-, o qual hoje, infelizmente, inexiste.

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