São Paulo, domingo, 3 de novembro de 1996
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O gênio que sabe enterrar

ELAINE GUERINI

Shaquille O'Neal, o ídolo milionário do basquete americano, fala sobre "Kazaam", seu novo filme, que estréia em dezembro no Brasil
O símbolo do Superman tatuado no bíceps esquerdo é apenas um lembrete. "Tenho poderes para conseguir tudo o que quero", diz Shaquille O'Neal, 24, o multimídia norte-americano que ataca de superpivô nas quadras, cantor de rap nas rádios, garoto-propaganda na TV e ainda banca o super-herói nas telas.
Não existe criptonita capaz de detê-lo. Com 2,16 metros de altura, 140 quilos e uma capacidade de pular 200 vezes a cada jogo de basquete, o astro do Dream Team 3 tem sede de ação. Não fica quieto nem mesmo durante entrevista exclusiva concedida à Revista da Folha.
Sentado em uma poltrona da suíte presidencial do hotel Radisson, em Manhattan Beach (Los Angeles), Shaquille não se cansa de cruzar e descruzar os braços. Com ar de moleque, usa camiseta preta, bermudão preto, meia branca e chinelão de couro preto -tudo com a marca Reebok, seu patrocinador.
Enquanto fala sobre a carreira nas quadras e as atividades paralelas, se distrai alisando a careca, batendo um joelho no outro ou mexendo nos pés -vale lembrar que o número do seu tênis é 22 AAA, o equivalente ao 56 no Brasil.
"O basquete está no meu sangue. Só não vejo motivo para recusar propostas de trabalho fora das quadras", afirma o superpivô, que veste a camisa 34 dos Los Angeles Lakers na nova temporada da liga profissional de basquete dos EUA (NBA), aberta na sexta-feira.
Graças ao seu jogo demolidor, marcado principalmente pelos lances em que crava a bola com as mãos na cesta ("enterradas"), Shaquille foi o primeiro esportista da história a assinar contrato com valor superior a US$ 100 milhões -o contrato do atacante Ronaldinho, considerado hoje o melhor jogador do mundo, por exemplo, é de aproximadamente US$ 19 milhões, por oito anos, com o Barcelona.
Mediante um acordo de US$ 120 milhões, por sete anos, a equipe dos Lakers conseguiu roubar Shaquille do Orlando Magic, onde o gigante atuou por quatro anos.
Shaq, como é conhecido, conseguiu um feito inédito em 1993: levou o time da Flórida à segunda fase e, no torneio de 94/95, ainda liderou o grupo na conquista do vice-campeonato.
"Não troquei de equipe pelo dinheiro.
Isso eu já tenho de sobra. Simplesmente acho que, em determinadas fases da vida, as mudanças fazem bem", conta, enquanto enfia a mão dentro da meia para coçar o calcanhar.
Shaq fala devagar e mais baixo que o normal. Só aumenta um pouco o volume para negar que tenha aceitado a proposta da equipe de Los Angeles atraído pela idéia de morar na meca cinematográfica. "Se você é bom no que faz, os produtores vão te buscar não importa onde", diz o superatleta, protagonista de dois novos filmes de Hollywood.
Superpoderes
Depois de estrear fazendo uma participação especial em "Blue Chips" (1994), ele foi escalado para encarnar personagens com superpoderes nas telas. Um deles é o gênio que salva a vida de um menino em "Kazaam" e o outro é "Steel", o super-herói que veste uma roupa de aço para combater a onda de violência nas ruas de Washington DC.
Em "Kazaam", uma aventura dirigida por Paul M. Glaser que estréia no dia 25 de dezembro no Brasil, Shaq aproveita para reforçar a imagem de multimídia entrelaçando as carreiras de ator e cantor. O gênio que ele interpreta não se liberta de uma lâmpada, mas sim de um aparelho de som portátil.
Esse foi o gancho encontrado por Glaser, que escreveu o argumento, para justificar as cenas em que o gênio maluco aparece compondo e cantando rap. "A minha ligação com a música começou na infância, quando eu só tinha um rádio para me distrair", lembra Shaq.
Sua carreira de rapper conta com dois álbuns lançados nos últimos dois anos. "Shaq Diesel", o primeiro título, vendeu mais de 1 milhão de cópias levando o disco de platina. O segundo, "Shaq Fu: Da Return", conquistou o de ouro com 500 mil discos vendidos. Ele ainda participou da gravação de "HIStory", o último trabalho de Michael Jackson.
"Ninguém nunca vai me ver usando drogas ou batendo em mulher. Quando não estou nas quadras, gasto o meu tempo com coisas úteis", diz o superpivô apontado em pesquisa da Steiner Sports Marketing como a celebridade mais procurada para propaganda nos EUA.
Shaq não sabe ao certo quantos comerciais de TV já fez. Chuta "uns 20" -a maioria deles apresenta produtos das empresas Pepsi, Taco Bell e Reebok. Só a campanha publicitária dos tênis Reebok de Shaq (o único com logotipo personalizado) movimentou US$ 50 milhões neste ano.
Atleta exemplar
Com tantas atividades paralelas, será que o basquete corre o risco de ficar em segundo plano na vida de Shaq? Ele garante que não. "Nunca vou me esquecer que o esporte fez de mim uma celebridade", diz, agora sério. "Minha família nunca foi rica. Sei que não tenho um grande vocabulário. Se cheguei onde estou hoje, devo tudo ao basquete."
Durante a temporada da NBA, Shaq treina duas horas por dia e defende os Los Angeles Lakers à noite -o intervalo entre os jogos é de geralmente dois dias. "O atleta não precisa treinar o dia inteiro, o corpo humano não aguenta isso. Uso o resto do tempo que tenho para fazer outras coisas. Não aguento ficar sem fazer nada."
Ele faz questão de frisar que só se aventura diante das câmeras de Hollywood durante os intervalos entre um campeonato e outro. Sua participação nas filmagens de "Steel", atualmente em fase de pós-produção, terminou um pouco antes da abertura geral dos campos de treinamento no início de outubro.
No filme, dirigido por Kenneth Johnson, criador de "O Incrível Hulk" e "A Mulher Biônica", Shaq vive Steel, o super-herói negro da história em quadrinhos "A Morte do Superman". Ele deve capturar a gangue que desenvolveu um projeto perigoso de arma não-convencional idealizado por militares.
"É um herói de ação. Anda de moto e pula de um prédio para outro. Durante as filmagens, dispensei o dublê várias vezes", destaca o atleta, rindo. Shaq não esconde a intenção de competir com Arnold Schwarzenegger, Jean-Claude Van Damme, Sylvester Stallone e Jim Carrey nas telas.
"Quero entreter o público sem abrir mão da minha identidade. Nunca vou fazer o papel de um sujeito que usa terno e gravata", diz. "Só me interesso por filmes de ação ou comédias. Romance e drama, nem pensar. Preciso me identificar com o projeto de algum jeito."
Como todo ídolo do esporte, Shaq se preocupa em passar uma imagem saudável e, quando o assunto é crianças, gosta de bancar o irmão mais velho. "Não sou nenhum anjo, mas tento fazer as coisas da maneira certa. Dentro e fora das quadras, procuro ficar longe de problemas. Sei que o público infantil se espelha em seus ídolos."
Ele se considera um cara "maduro" para a idade. Por ter se destacado cedo no basquete -aos 16 anos seu corpo já estava no seguro-, Shaq afirma ter passado da "fase das loucuras" há muito tempo. "Muitos atletas se envolvem em problemas porque para eles o sucesso e o dinheiro ainda são novidades."
Pilotar carros incrementados e encontrar um grupo seleto de amigos são suas principais diversões. "Não preciso de cem amigos. Tenho uns dez e isso basta. Todos têm essa tatuagem no braço direito", comenta, mostrando o desenho de uma mandíbula mordendo o globo terrestre com a inscrição "The World Is Mine" (o mundo é meu).
"Pequeno guerreiro"
Preocupações ele diz que não tem. "Pressão mesmo é não saber de onde virá a próxima refeição", afirma, referindo-se ao período em que a vida não era tão fácil para o "pequeno guerreiro" -essa é a tradução de Shaquille Rashaun, nome que sua mãe tirou de um livro islâmico.
Logo ao nascer, Shaq foi abandonado pelo pai. Sua mãe, Lucille O'Neal, casou-se mais tarde com o sargento Philip Harrison. Foi graças ao incentivo do padrasto que ele resolveu aproveitar a altura em quadras de basquete. Sua primeira "enterrada" ocorreu aos 17 anos. "Fui muito criticado quando era mais jovem. Era desengonçado e as pessoas diziam que eu nunca seria alguém. Meu padrasto me fez levantar a cabeça."
O superpivô afirma ter vontade de formar sua própria família. "Só falta encontrar a garota certa", despista. Ele evita falar sobre o namoro com a texana com quem teria tido uma filha -a notícia foi divulgada em julho pela imprensa norte-americana. "Não se preocupe. Um dia eu vou me casar e vou mandar avisar aos jornalistas do mundo inteiro, inclusive os do Brasil", brinca.
Shaq aproveita a deixa para encerrar a entrevista mandando lembranças a um amigo brasileiro: Oscar. Diz que o ala do Brasil é um grande arremessador e fica surpreso ao saber que Oscar decidiu encerrar a carreira na seleção após as Olimpíadas de Atlanta.
"Oscar, that's my man" (ele é meu chapa), diz ao levantar da poltrona e sair arrastando os chinelões pela suíte. Na hora de atravessar a porta, o superpivô enfrenta a inconveniente situação de ter de abaixar a cabeça. Parece que nem mesmo Los Angeles, a residência oficial das estrelas, está preparada para um astro dessa grandeza.

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