São Paulo, quinta-feira, 7 de novembro de 1996
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Onde estão as provas

JANIO DE FREITAS

Ao final, que não se sabe quando será, de todo o quiproquó causado pelo provão, ficará demonstrado que tudo o que o governo queria era saber o que qualquer um fora do governo sabe. Ou seja, que o ensino universitário está aquém do desejado. As causas disso, que são muitas e variáveis, segundo as circunstâncias de cada curso e faculdade, continuarão ignoradas pelo governo. O que interessa, portanto, não pode ser respondido pelo provão.
Para o governo, é mesmo bom que não seja respondido. Porque a primeira causa do ensino universitário insatisfatório está no próprio Ministério da Educação. Não sendo o seu titular, economista Paulo Renato Souza, dos que lutam por obter as verbas necessárias às funções do seu ministério e às suas responsabilidades pessoais, há faculdades ainda aguardando recursos financeiros que deveriam receber no primeiro semestre. Na semana passada "O Globo" noticiava o risco de fechamento, por espera inútil da verba indispensável, de uma faculdade fluminense de medicina.
Não convém ao governo do professor Fernando Henrique Cardoso que uma suposta avaliação do ensino universitário mostre ao país quantos cursos estão funcionando só para constar e quantos outros nem assim funcionam. Por falta de professores. Com o terrorismo praticado por Bresser Pereira em torno de demissões e de alterações nas aposentadorias, professores se aposentaram aos milhares. E o mesmo Bresser Pereira, com a permanente omissão do ministro dito da Educação, já proibira os concursos públicos, entre os quais para professor universitário.
Tanto ou mais do que professores, faltam salários. Capítulo, este, que pode ser simplificado com a constatação bestificante de que mesmo um portador de doutorado, obtido na Europa ou nos Estados Unidos e no grau mais alto, terá maior salário como soldado da PM de Brasília do que se ganhar um concurso para professor, por exemplo, de uma faculdade de medicina do sistema (federal) filiado ao Ministério da Educação.
E tanto ou mais do que professores e salários, faltam condições de trabalho para os professores e de estudo para os alunos. Por falta de verbas, os laboratórios universitários dividem-se, hoje, entre os que estão em estado precário e os que nem podem funcionar. Os professores que devem dar oito horas de atividade diária deveriam, é claro, preparar os cursos e cada aula na própria universidade, mas não podem fazê-lo: precisam recorrer às suas bibliotecas, dada a insuficiência do acervo universitário, e nas faculdades e institutos são raros os casos de um computador disponível.
Pode-se encher páginas incontáveis com o prosseguimento destas referências ligeiras à inoperância do Ministério da Educação no governo dos professores Fernando Henrique, Paulo Renato de Souza, Bresser Pereira, Pedro Malan, Antonio Kandir, José Israel Vargas, para citar só os do topo. A eles todos, convém que o provão não seja mais do que um jogo de cena que exiba apenas o que todos sabemos.
O propósito verdadeiro de avaliar a situação universitária levaria a providências mais simples e mais inteligentes do que o provão -porém menos rendosas à farsa da ação governamental. Ao seu tempo de ministro da Educação do regime militar, relembra agora Jarbas Passarinho, foram constituídas comissões de notáveis (em geral, notáveis mesmo) para percorrer as faculdades de medicina e de engenharia pelo país afora. Mais do que um diagnóstico bastante amplo e preciso, o trabalho das comissões levou a providências corretivas (algumas punitivas) em larga escala.
Linhas produtivas de avaliação não faltariam ao governo, se não lhe bastassem o autoritarismo primário e a farsa marqueteira.

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