São Paulo, quinta-feira, 7 de novembro de 1996
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"Conselho de Duke Ellington me despertou", diz Max Roach

O baterista, aos 72 anos, falou à Folha em San Francisco

ADRIANE GRAU
FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM SAN FRANCISCO

O baterista Max Roach, 72, é um desses que se convencionou chamar de gigante do jazz. Ele é um dos principais responsáveis por colocar em primeiro plano um instrumento sempre renegado a pano de fundo.
Desde que tocou com a orquestra de Duke Ellington, em 1942, aos 18 anos, Roach foi aos poucos transformando a bateria num instrumento refinado e apropriado para solos. Nos camarins de um teatro em San Francisco, Roach recebeu a Folha.
"Faço parte da geração que criou uma maneira de sobrevivência tocando em clubes", afirma. "Eu reinventei meu instrumento preferido."
Roach conta que seguiu um conselho do mestre Duke Ellington: "Duke me via perambulando pelo teatro até que um dia disse: 'Filho, ninguém desfruta o trono sem escrever suas próprias músicas' ".
"Aquilo me despertou, mas claro que desde o início meu trabalho foi visto como inusual, pois a bateria era quase um instrumento estrangeiro, vindo da África, do Brasil ou da Índia".
Passaram-se 54 anos e a excelência de Max Roach com as baquetas o transformaram em personalidade do Grammy Hall of Fame, bolsista da Fundação MacArthur e professor da Universidade de Massachusetts.
Aposentado, ele faz questão de mostrar como a carreira universitária lhe mostrou o outro lado de uma arte que surgiu nas ruas. "Eu, Charlie Parker, Dizzy Gillespie e outros somos autodidatas", afirma. "Aprendemos a ler e escrever música uns com os outros e por meio de livros", diz.
"Nunca pertencemos a conservatórios por causa da discriminação racial", afirma. "Se tivéssemos ido a conservatórios, faríamos música clássica e não teríamos criado a tradição do jazz."
Mas, segundo ele, as bolsas de estudo que estudante de jazz passaram a acessar não desvirtualizam a música criada dessa maneira. "Há que se ter dinheiro para comer, lugar para morar", defende.
"É um mito dizer que não precisamos fazer nada além de criar arte. Somos seres humanos e precisamos dispor de confortos básicos." Ele menciona ainda que os músicos clássicos sempre dispuseram de dinheiro do governo, então é justo que haja o mesmo privilégio no jazz.
Interessado em ajudar jovens talentos, ele pretende deslanchar em breve o projeto da Max Roach School of the Arts. A entidade sem fins lucrativos terá sede no Brooklin, o bairro em que Roach cresceu. "Quero investir na guinada do jazz atual em direção a reinvestigação do virtuosismo do pós-Guerra", justifica.
O músico está preparando também sua autobiografia, ainda sem título definido, que deverá ser lançada até o final de 97. "No livro apenas falo sobre minha vida de maneira honesta e franca. Espero que seja interessante."
Segundo ele, o tom será de memórias, resgatando inúmeras histórias ao lado de Charlie "Bird" Parker e outros grandes nomes do jazz. "Eu e 'Bird' éramos unidos como duas camadas de tinta."

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