São Paulo, sexta-feira, 8 de novembro de 1996
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PRIVACIDADE VIOLADA

Dizia-se da dinastia francesa dos Bourbon que eram incapazes de esquecer, mas eram igualmente incapazes de aprender.
Aplica-se a tese, à perfeição, à polícia paulista. Policiais afoitos produziram uma série de informações alarmantes a respeito de abusos contra crianças praticados em uma pré-escola (a escola Base). Verificou-se depois que as denúncias não tinham fundamento, mas já era tarde: a reputação de seus proprietários foi simplesmente destruída.
Agora, parece repetir-se a situação no caso que envolve a modelo e atriz Ana Paula Arósio e seu noivo, o empresário Luiz Carlos Leonardo Tjurs. Luiz Carlos suicidou-se e deixou uma série de bilhetes em que insinua um comportamento leviano da noiva.
Os encarregados da investigação deram a público o teor dos bilhetes, até a íntegra de alguns deles, violando a privacidade tanto da vítima como da modelo. Leitura inevitável sugerida pela revelação dos bilhetes: Ana Paula, pelo seu comportamento, levara o empresário ao suicídio.
Não houve nenhuma investigação prévia para determinar, primeiro, as circunstâncias exatas da morte. Ou se as insinuações contidas no bilhete eram ou não verdadeiras.
A polícia, de certa forma, agiu, outra vez, como investigador e juiz. Apurou e condenou ao mesmo tempo, ao menos moralmente, desprezando o mais elementar princípio do Direito, que reza que todos são inocentes até prova em contrário.
Mais do que desprezar, inverte-se essa lógica. Um bilhete basta para apontar o dedo acusador contra uma pessoa, se não como assassina, pelo menos como a responsável indireta pela morte de alguém.
Um braço do poder público, que tem o dever de respeitar e defender a privacidade dos cidadãos e agir com discrição, é, lamentavelmente, o primeiro a violar esse valor. Sem nem sequer correr o risco de uma punição posterior, se, como no caso da escola Base, se verificar que as suspeitas eram infundadas.

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