São Paulo, quarta-feira, 13 de novembro de 1996
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Vale das frutas vira foco de intoxicação

JOSÉ ALBERTO GONÇALVES
ENVIADO ESPECIAL A PETROLINA (PE)

Região que ganhou fama com a produção irrigada de frutas e hortaliças, boa parte destinada à exportação, o Vale do São Francisco está se transformando também num foco de intoxicação de agricultores por agrotóxicos.
Ainda não há pesquisas consistentes sobre o problema, mas os sinais da intoxicação de agricultores e trabalhadores rurais na região de Petrolina (PE) e Juazeiro (BA) são numerosos e visíveis.
Nas estradas do projeto de irrigação Senador Nilo Coelho, em Petrolina (PE), a Folha flagrou vários trabalhadores rurais e agricultores aplicando agrotóxicos nas lavouras sem a utilização dos equipamentos de proteção (máscaras, roupas especiais, botas e luvas).
Embalagens de produtos altamente tóxicos são abandonadas à beira das estradas e nos canais que atravessam as propriedades.
Um levantamento sobre a intoxicação por agrotóxicos na região foi realizado pela Fundacentro, Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), Distrito de Irrigação do Projeto Nilo Coelho e Iterp (Instituto Tecnológico de Pernambuco).
Foram feitos 981 exames de colinesterase em trabalhadores dos projetos de irrigação e da Estação Experimental da Embrapa.
O exame permite verificar, por meio da análise de sangue, a intoxicação por agrotóxico.
Ângelo Trapé, coordenador de saúde, ambiente e toxicologia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), diz que o exame de colinesterase é um dos elementos para averiguar o quadro de intoxicação.
Ele admite que a intoxicação pode ser muito mais grave que o levantamento apresentado. Trapé diz que é necessário, além do exame, um acompanhamento médico da situação dos trabalhadores.
A Secretaria de Saúde de PE pretende treinar agentes comunitários para identificar e notificar os casos de intoxicação.
"O problema é grave, mas a maioria dos casos não é notificada, dificultando a implementação de uma política específica para a questão", diz Iraci Alves da Costa, 32, coordenadora da área de saúde do trabalhador da secretaria.
Ela diz, ainda, que dados preliminares da secretaria indicam alta taxa de suicídios entre os trabalhadores rurais do Estado. No ano passado, 68 (22,36%) dos 304 suicídios no Estado foram praticados por trabalhadores rurais.
"Vamos tentar verificar se há alguma relação entre intoxicação por agrotóxicos e o suicídio", diz.
Pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde sobre intoxicação, em 93, mostra que dos 307 casos notificados no Nordeste, 145 tiveram como causa a tentativa de suicídio.
É comum no campo o uso de agrotóxicos para a prática do suicídio. Pesquisas feitas no Chile e EUA, segundo o professor Trapé, indicam a tendência ao suicídio em pessoas intoxicadas por agrotóxicos organofosforados.
"Gastura" e agonia foram as palavras mais utilizadas pelos agricultores intoxicados ouvidos pela Folha na região para explicar os efeitos dos agrotóxicos.
"Dá uma agonia e às vezes não consigo ficar em pé por muito tempo e nem fechar as mãos", diz Maria das Graças Neri da Silva, 33, de Itiúba (BA), que há dois anos foi intoxicada durante trabalho em uma fazenda (veja abaixo).
Somente o hospital Dom Malan, em Petrolina (PE), atendeu, em outubro último, 50 casos de intoxicação por agrotóxico. "É um número elevado e vem crescendo", diz Maria Gorete Barbosa dos Santos Barros, enfermeira-chefe.

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