São Paulo, quarta-feira, 13 de novembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Inocentados tentam esquecer da cadeia

Um dos acusados quer receber indenização

DA REPORTAGEM LOCAL

Os jovens que estiveram presos por quase dois meses acusados pelo crime do bar Bodega tentam esquecer do tempo que passaram presos e só pensam em reconstruir suas vidas.
Valmir Vieira Martins, 20, que trabalhava em um supermercado em São Paulo antes de ser preso, perdeu o emprego. "Não me aceitaram de volta", disse.
Valmir diz que vai exigir uma indenização pela prisão indevida. Segundo ele, o advogado contratado pela família está entrando com uma ação civil contra o Estado.
"Estragaram a vida do rapaz", afirma o pai dele, Leonízio Vieira Martins, 53. Segundo a mãe dele, Maria Helena Ruas, 40, a família passou dois meses de sofrimento indescritíveis. "Ninguém comia ou dormia aqui em casa", diz.
Maria Helena acusa ainda a polícia de ter invadido a casa da família sem mandado no dia em que o filho foi preso. "Eles reviraram tudo dizendo que estavam atrás da arma do crime. Mas nós nunca tivemos arma aqui dentro", diz.
Recomeço
Jaílson Ribeiro dos Anjos, 23, que também esteve preso, está há duas semanas trabalhando de atendente em uma Auto Escola em que o irmão é sócio.
"Antes de ser preso eu era pintor, mas depois ficou difícil arrumar serviço, porque fiquei marcado", diz. "Estou tentando recomeçar tudo de novo", afirma.
Jaílson diz que já conseguiu se recuperar emocionalmente das torturas sofridas na cadeia, mas que ainda teme quando vê um carro de polícia.
"Nós denunciamos o delegado, fico com medo que ele tente se vingar de nós", diz. Jaílson afirma que depois de tudo o que passou não confia mais na polícia. "Se encontrar um carro de polícia à noite, não paro, tenho medo", diz.
Jaílson nunca tinha sido preso antes do caso Bodega. "É uma experiência terrível, que não quero para ninguém. Quem inventou a cadeia não passou 10 minutos lá dentro. É cruel demais", disse.
Jaílson é casado e tem duas filhas, de 2 e 4 anos. "Minhas filhas ficaram doentes quando eu fui preso. Minha mulher dizia para elas que eu estava trabalhando longe", diz.
Ele afirma ainda que não pretende processar o delegado João Lopes, do 15º DP, pelo tempo que passou na prisão. "Não tenho dinheiro para contratar um advogado", diz.
Para ele, o delegado não tinha convicção sobre a autoria do crime, mas queria mostrar serviço. "Ele dizia que ia dar um xeque-mate na gente, mas com essas novas prisões, ele é que foi colocado em xeque-mate", diz.
O estudante Valmir da Silva, 19, voltou à escola estadual onde cursava o 1º colegial. Ele diz que também não pretende processar o delegado. "O que a gente pode fazer? Pelo menos provamos nossa inocência", diz.

Texto Anterior: Corregedoria apura suspeita de tortura
Próximo Texto: Civis são mais acusados de violência
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.