São Paulo, quarta-feira, 13 de novembro de 1996
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'Globalização expande empresa nacional'

FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL

O consultor Gilberto Dupas defende a tese de que a globalização abre espaço para a empresa nacional continuar em expansão.
Especialista em política industrial e estratégia corporativa, Dupas não compartilha do temor, que aflige outros economistas, de que a globalização provocará a eliminação do empresário nacional.
Como consultor, ele não fica apenas na teoria. Dupas esteve por trás das duas operações mais emblemáticas da globalização.
Membro do conselho de administração da Metal Leve, desenvolveu a concepção que levou à fusão da empresa com a Mahle, alemã.
Sua firma de consultoria, a Grano Ltda. - Conjuntura Econômica e Estratégia Empresarial, coordenou a fusão entre a norte-americana General Electric e a Dako, fabricante brasileira de fogões.
"À medida que o capitalismo se concentra, numa lógica curiosa, a tecnologia gera condições de produtos mais baratos. E essa concentração gera a necessidade de uma porção de empresas médias e pequenas", diz Dupas. Ele recebeu a Folha na última quinta-feira, em seu escritório, em São Paulo.
*
Folha - Qual é o primeiro passo em operações como as realizadas pela Metal Leve e pela Dako?
Gilberto Dupas - Tudo começa com a reflexão, pelo empresário, sobre como o mercado está evoluindo e se há alternativas para ele enfrentar o crescimento sozinho.
Folha - A Metal Leve e a Dako tinham essa visão estratégica ou foram tomadas de surpresa?
Dupas - Os processos, tanto na Metal Leve quanto na Dako, duraram aproximadamente dois anos. Embora a Metal Leve tivesse uma administração competente, as margens estavam caindo (lucro em relação ao faturamento). Vários processos de reengenharia foram tentados, como redução de custos e corte de pessoal. Cada vez que a eficiência aumentava, essa margem nova era consumida por uma nova queda de preços no mercado mundial. Ou a Metal Leve obteria uma escala de produção três a quatro vezes maior ou perderia espaço no mercado brasileiro e no mercado internacional.
Folha - Na lógica da globalização, esses ajustes são insuficientes para evitar a perda do controle?
Dupas - Você analisa, primeiro, se dá para ficar sozinho. Depois, se é mais interessante ficar majoritário ou minoritário.
Folha - A Metal Leve tinha fôlego para obter uma escala de produção três a quatro vezes maior?
Dupas - A questão passava a ser se os acionistas, sozinhos, teriam fôlego para aumentar a produção três ou quatro vezes, num mercado altamente competitivo, ou se era melhor fazer uma aliança. A fusão permitiu que o país continuasse a ser um dos maiores produtores de pistões e bronzinas.
Folha - E no caso da Dako?
Dupas - A Dako é uma empresa com alto padrão de profissionalização e de eficiência de gestão. Já detinha 32% do mercado brasileiro de fogões. Mas o setor de linha branca estava tomado estrategicamente por todos os grandes grupos internacionais. E o grande produtor mundial que ainda não tinha entrado era a General Electric. Qual seria o futuro de uma empresa familiar, de porte médio, para enfrentar essa estrutura?
Folha - E quais eram as alternativas da GE?
Dupas - A GE tinha três opções: ficava junto com a Dako, começando com uma base muito grande; começava tudo do zero, ou faria uma fábrica na Argentina. De novo, o país ganhou.
Folha - Como é feita a aproximação de compradores em situação mais forte e empresários resistentes à perda do controle?
Dupas - Essas negociações são muito complexas. A primeira etapa é a avaliação. O dono da empresa sempre acha que seu negócio vale mais do que o mercado acha. Hoje, uma avaliação de uma empresa é quanto ela pode gerar de lucro no futuro. O restante é um processo de aproximação entre interesses estratégicos. No caso da Dako, estudamos até o último instante a possibilidade de a empresa ficar sozinha. Ela iria continuar a crescer, mas, depois de cinco anos, qual seria o futuro, quando todos os grandes já estivessem aqui?
Folha - A GE está se qualificando para disputar o Banerj e comprou a Celma. A operação com a Dako é a ponta de uma estratégia maior?
Dupas - A GE se transformou numa empresa global. Hoje, é uma corporação que ganha mais dinheiro na área financeira do que na industrial. Está retomando o mercado de eletrodomésticos. Com a Dako, ela completa sua lógica estratégica para a América Latina.
Folha - As empresas nacionais ficaram mais vulneráveis a essas fusões por causa de deficiências próprias ou porque estavam expostas a uma competição desigual sem uma política industrial?
Dupas - O capitalismo global tem duas tendências claras: a concentração industrial e a fragmentação. À medida que o capitalismo se concentra, numa lógica curiosa, a tecnologia gera condições de produtos mais baratos. Por outro lado, os investimentos em tecnologia são muito altos. As empresas têm de ter resultados e lucros para gastar em tecnologia. A maneira de elas fazerem isso é ganhar mercado. Têm de baixar o preço e melhorar a qualidade. Para isso, têm de concentrar. Por outro lado, essa concentração gera a necessidade de uma porção de empresas médias e pequenas que dêem suporte a essa concentração. Folha - Isso abre mais espaço para a empresa nacional?
Dupas - Vou dar exemplos para mostrar como o espaço para a empresa nacional vai continuar em expansão. Em primeiro lugar, o franchising. Hoje, meia dúzia de marcas globais dominam o mundo inteiro, inclusive em qualquer cidade do interior brasileiro. Elas fornecem tecnologia sofisticada, logística e marketing de padrão global. Mas vão buscar no empresário individual a descentralização da gestão, o respeito aos padrões locais e a competência de gerir um micronegócio.
O segundo exemplo é a terceirização. A grande empresa global sabe que, para manter preços em queda, tem de produzir o que exige especialização. O resto, tem de terceirizar. A indústria automobilística é concentradora e desconcentradora ao mesmo tempo. Os processos de "just-in-time" e de automação flexível exigem que os fornecedores estejam próximos da linha de montagem.
Folha - Alega-se que a tecnologia não é globalizada, sua geração fica mais próxima dos países centrais.
Dupas - A tendência das corporações globais é dispersar seus núcleos de pesquisa tecnológica e subcontratar o desenvolvimento tecnológico.
Folha - E qual é o espaço que fica para a grande empresa nacional?
Dupas - O grande empresário brasileiro sobreviverá sozinho se for competitivo. Se não for competitivo, e não é preciso que exporte, não vai conseguir resistir à importação de produtos. Muito provavelmente terá de fazer alianças estratégicas. Não necessariamente terá de perder o controle.
Folha - O empresário nacional não perde o poder de decisão?
Dupas - Só quando perde o controle. Quando faz uma aliança estratégica, não. Veja o que acontece com a indústria automobilística. Se você fizer um mapa, você vai encontrar a Volkswagen junto com a Honda produzindo alumínio. A Ford, junto com a Peugeot e com a Nissan, num projeto de motor especial ou de carro elétrico. Esses projetos exigem investimentos tão altos que nem as grandes conseguem fazer sozinhas.
Folha - José Mindlin vendeu a Metal Leve dizendo que se sentiria desconfortável como minoritário.
Dupas - Aí tem uma coisa complicada. A empresa moderna não é o empresário. E, no Brasil, ainda é. A característica da empresa moderna é mobilidade de gestão.

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