São Paulo, quarta-feira, 13 de novembro de 1996
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Terra para quem produz

JOÃO CARLOS DE SOUZA MEIRELLES

É incrível que o país que possui a maior quantidade de terras agricultáveis do mundo, com população disposta a ocupá-la, assista ao conflito fundiário que vivemos. Ainda mais quando se verifica um vigoroso aumento na demanda de alimentos nas economias emergentes, especialmente as do circuito Ásia-Pacífico.
Enquanto jovens agricultores franceses ou japoneses não encontram noivas com quem se casar, por não estarem dispostas a morar em áreas rurais, no Brasil temos uma multidão lutando para permanecer no campo.
Trabalhadores sem terra e centenas de milhares de famílias deslocadas de suas propriedades, ou por problemas bancários, ou por serem filhos de agricultores com áreas reduzidas, todos estão buscando uma área para produzir.
Vivemos momento histórico único para reorganizar a estrutura fundiária do país, respeitando rigorosamente a lei e atendendo às legítimas ambições dos que querem adquirir terra para produzir.
A crise por que passa o meio rural, como consequência de ter sido a âncora da estabilização monetária, colocou quantidade nunca vista de terras à venda em todo o país. O problema, hoje, não é a falta de terras e sim a de mecanismos ágeis para seu uso social e econômico.
Despindo a discussão sobre os problemas da terra de seus aspectos ideológicos, adequando sua solução a uma visão moderna de Estado, a quem compete definir políticas, fixar diretrizes de execução e delegar à iniciativa privada sua realização, teremos rapidamente equacionada a solução para o drama social dos acampamentos de sem-terra e a reincorporação ao processo produtivo dos agricultores tradicionais dela desprovidos.
O primeiro mecanismo para essa revolução pacífica seria a adoção de ações emergenciais para o rápido assentamento dos acampados, por meio da compra de lotes prontos e infra-estruturados, demarcados, com casa e área pronta para plantio, estrada, escola e assistência técnica, resultado da seleção pela comunidade e pelo Incra de áreas já à venda.
Em vez de invasões, conflitos e intermináveis desapropriações, teríamos -com a transparência que a participação da comunidade garante- a transferência de terras de quem quer vender para quem quer comprar, a criação de uma imensa frente de trabalho por todo o país para implantar a infra-estrutura dos lotes e, sobretudo, o surgimento de parceiros e não adversários, trabalhadores sem terra e fazendeiros.
O segundo mecanismo dessa revolução pacífica ocorreria nas novas fronteiras agrícolas do Nordeste e da Amazônia, onde programas de colonização integrados criariam amplas oportunidades rurais e urbanas. Um novo modelo, onde um terço dos agricultores viria dos sem-terra, e dois terços seriam agricultores tradicionais, permitiria viabilizar rapidamente os primeiros. Amparados pela experiência dos "tradicionais" e pela mesma infra-estrutura de cooperativa, escola e apoio técnico, seriam igualmente produtivos e bem-sucedidos.
É preciso, também, viabilizar mecanismos modernos de financiamento de nova revolução fundiária, democrática e legal, base da grande arrancada de aumento da produção agropecuária nacional. O pagamento das terras e de grande parte da infra-estrutura dos lotes poderia ser feito, a menor parte em dinheiro e a maior tanto em TDAs quanto em ações de empresas públicas privatizáveis cotadas em Bolsa.
Mecanismos como os de securitização da produção dos assentados ou outros a serem desenvolvidos por especialistas do mercado financeiro garantiriam recursos, tanto para a implantação das obras necessárias quanto para a compra de terras em regiões já ocupadas ou nas novas fronteiras ecologicamente viáveis.
Cumpriríamos, assim, com justiça e responsabilidade, o dever para com nossos ancestrais, que tiveram a coragem de fincar as divisas da pátria nos confins do continente, de colocar em produção o espaço agrícola excepcional que herdamos, aproveitando o privilégio de termos brasileiros com decisão de fazê-lo.

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