São Paulo, quarta-feira, 13 de novembro de 1996
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O álcool e a sociedade justa de Galbraith

GUSTAVO MARANHÃO

Tem sido difícil a implantação do álcool como combustível alternativo no Brasil. Mais ainda tem sido manter as destilarias com rentabilidade, em especial no Norte e Nordeste. A ameaça de desabastecimento ocorrida no Centro-Sul, em abril último, é a prova de que a remuneração do álcool não estimula o empresário.
Uma lei própria do mercado reza que, com a demanda, o produto existe. Ocorre o contrário quando as leis de mercado são atropeladas por uma intervenção equivocada do governo.
O setor sucroalcooleiro no Brasil apresenta uma posição privilegiada, pela competência de toda a sua cadeia produtiva (trabalhadores, produtores agrícolas, produtores industriais).
Temos no Centro-Sul o primeiro lugar como menor custo do mundo e, no Norte-Nordeste, o quarto menor -isto, saliente-se, num ranking de mais de cem países produtores de açúcar e álcool. O setor canavieiro, portanto, é competitivo, sim.
O que não há, nem no Brasil nem em nenhuma outra parte, é competitividade com a gasolina, com a qual a burocracia de Brasília e a Petrobrás querem acabar de vez, liberando os preços do álcool e deixando sob controle os da gasolina por mais três anos.
Não é demais lembrar, primeiro, que as reservas de petróleo até hoje conhecidas não são suficientes para garantir o mundo de nossos filhos -que dirá dos netos.
Em segundo lugar, os preços do petróleo são mantidos artificialmente baixos pela manutenção de forças de guerra pelos EUA no Golfo Pérsico. Em terceiro, não dá para esquecer a característica altamente poluente dos derivados de petróleo, comprometendo não só a qualidade de vida dos centros urbanos como a atmosfera terrestre, pelo efeito estufa.
O álcool, sem dúvida alguma, se enquadra perfeitamente no que imagina John Kenneth Galbraith no livro "A sociedade justa, uma perspectiva humana", quando menciona quatro fatores que forçam a intervenção e a regulamentação públicas: a necessidade de proteção atual e a longo prazo do planeta, impedindo a destruição ambiental; a de proteger os vulneráveis, no aparato produtivo, dos efeitos adversos da máquina econômica; a propensão da economia em fabricar e vender produtos tecnicamente deficientes ou fisicamente prejudiciais; a incorporação pelo sistema de tendências autodestrutivas, que comprometem seu funcionamento eficaz.
Vale citar que o número de automóveis, talvez o maior produto de consumo da sociedade moderna, pulou de 50 milhões de veículos em 1950 para 550 milhões hoje. Dá para imaginar o grande fator de poluição que representam.
O dono de carro a álcool no Brasil, agente protetor do meio ambiente coletivo, não tem mais o estímulo e a premiação que lhe são devidos -e, mesmo assim, pesquisa do instituto Gallup realizada no ano passado em 35 cidades do Estado de São Paulo revela que quase 25% dos proprietários de automóveis prefeririam comprar um carro novo a álcool.
O dono do carro a gasolina, agente poluidor coletivo, ao contrário, sofre menor carga tributária do que o poluidor do cigarro.
Diz Galbraith, no seu livro, que "o interesse da comunidade maior deve ser protegido, assim como o clima e o bem-estar futuros, e deve haver uma preocupação com os recursos esgotáveis".
Acrescenta ainda: "Como os automóveis têm de ser construídos, ter combustível e ser dirigidos, e outros bens de consumo têm de ser igualmente supridos e usados, um compromisso entre o interesse financeiro atual e o interesse público de prazo mais longo é essencial". O álcool está aí para isso.

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