São Paulo, quarta-feira, 13 de novembro de 1996
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O Real e a realidade

ANTONIO DELFIM NETTO

O Plano Real é um inegável sucesso no que respeita ao combate à inflação. Paradoxalmente é esse mesmo sucesso que parece dificultar o avanço na direção de uma estabilização que permita à economia nacional reencontrar o caminho do seu desenvolvimento.
Os recentes déficits comerciais mostram o que está claro há 28 meses: a atual taxa de câmbio real é incapaz de gerar um dinamismo exportador que possa sustentar a economia crescendo a 6% ao ano com déficits em conta corrente saudáveis.
Quem imagina que isso é novidade está muito enganado. Numa magnífica coleção de estudos financiados por um convênio Bacen/FGV os economistas Aloísio Araújo e Cypriano Feijó Filho ("Ensaios Econômicos" nº 234, abril de 1994, Fundação Getúlio Vargas) alertavam profeticamente: "...Em virtude do superávit comercial de plena utilização da capacidade ser pequeno, existe muito menos espaço para a valorização cambial do que usualmente se pensa" (pág. 87).
Aliás é uma pena que as autoridades monetárias que financiaram os estudos não os tenham lido com cuidado e continuem a sentir-se portadoras de um conhecimento "científico".
Os autores, dois dos economistas brasileiros mais finamente preparados e que dominam as técnicas mais sofisticadas, demonstram mais humildade (e maior conhecimento!) quando à pág. 79 dizem: "Os economistas conhecem bem situações de equilíbrio de economias sem moeda e muito pouco sobre os processos de mudança de um equilíbrio para outro. Tal é mais verdadeiro, ainda, quando se trata de economias monetárias e com variáveis fiscais e de câmbio. Dessa forma, uma vez que os modelos existentes sobre essas questões são efêmeros, para nossa análise aqui vamos nos basear somente em nossa intuição e em observações isoladas".
É disso que se trata: há 28 meses intuía-se a falta de dinamismo das exportações para sustentar um crescimento de 6% ao ano! A retórica melíflua do governo sempre tenta esconder esse fato, com argumentos às vezes ridículos, como mencionando a soma das exportações com as importações para mostrar o "dinamismo" do nosso comércio externo.
Outros argumentos não são menos falaciosos. Afirma-se que as importações de bens de capital destinam-se ao setor exportador que daqui há alguns anos dará uma resposta. Mas por que alguém investiria no setor de menor taxa de retorno e maior constrangimento financeiro que é o exportador se os estrangeiros estão comprando o nosso rentável mercado interno?
A taxa de câmbio real é um preço relativo e que nem toda redução do "custo Brasil" pode melhorar. A maior eficiência dos portos, por exemplo, afeta ao mesmo tempo os preços das importações e das exportações e pode ter efeito desprezível sobre a taxa de câmbio real.
Aumenta, sim, a produtividade global da economia, o que é muito bom, mas não produz modificação sensível na relação dos preços. Certamente esse não é o caso das isenções do PIS e Cofins prometidas há seis meses e não cumpridas e da recente isenção do ICMS.
O volume físico de nossas exportações está praticamente estagnado há quatro anos e é duvidoso que seja movido apenas pela retórica!

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