São Paulo, quarta-feira, 13 de novembro de 1996
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Senhores passageiros: o piloto não sumiu

LUIZ FERNANDO COLLARES

O acidente do vôo 402, se não pôde ser evitado, certamente deixará lições duradouras para a aviação comercial brasileira. Vivemos diante de um grau de complexidade da indústria, das operações de vôo e da legislação regulamentadora, tanto do ponto de vista trabalhista como do da atividade aérea, que merece reflexão.
O piloto José Antonio Moreno, sua tripulação, os passageiros e populares foram vítimas de uma tragédia. No entanto, o comandante Moreno fez tudo que estava ao seu alcance. Seu vôo terminará quando estiverem esclarecidas as circunstâncias do acidente e medidas corretivas.
Gostaria de relacionar algumas dessas reflexões. A concorrência entre as empresas aéreas é salutar e tem resultados positivos para os usuários e para o desenvolvimento da aviação brasileira. Contudo, o piloto não deve incorporar essa concorrência, porque sua atividade é transportar nacional e continentalmente pessoas e cargas, de maneira segura.
Compete às companhias estabelecer seus programas de marketing, planos estratégicos e administrativos sem que os tripulantes tenham a sensação de que a responsabilidade pelo sucesso das empresas seja seu primeiro compromisso.
É evidente que, num novo contexto econômico, haverá espaço para a readequação de todos os profissionais. Em matéria de segurança de vôo, o piloto é a última ponta da cadeia produtiva, e nenhum acidente é causado por um único fator. Modernamente, inclusive, o fator administrativo é exaustivamente dissecado nas investigações, assim como os fatores humano, material e operacional.
O acidente do vôo 402 aponta para causas materiais. Todavia, é muito cedo para assimilarmos isso como verdade absoluta. A investigação durará 90 dias ou mais.
No rastro desse acidente, também devemos questionar profundamente a precariedade do serviço público de investigação mantido pelo Centro Nacional de Investigação de Acidentes e Incidentes Aeronáuticos (Cenipa), órgão ligado ao Ministério da Aeronáutica. Não só no rastro desse acidente, mas no de muitos outros. O órgão investigador não pode estar vinculado ao órgão regulamentador, muito menos deve estar sujeito a pressões das partes envolvidas.
Baseado nessa premissa, o Sindicato Nacional dos Aeronautas defende uma agência independente de investigação, semelhante às que existem em países desenvolvidos.
Cabe ao Congresso Nacional um papel nas investigações de acidentes no Brasil. Os parlamentares não podem nem devem ser tão ignorantes em relação à questão. Há muito eles já deveriam ter tomado alguma providência. Fiquei perplexo ao saber, por esta Folha, que foram gastos R$ 8 milhões para manutenção de serviço de prevenção de desastres, enquanto a verba prevista no ano de 96 era de R$ 16 milhões.
Também não é possível que as recomendações do acidente que envolveu o grupo Mamonas Assassinas até hoje permaneçam no papel, sem que se tome providência alguma.
Quanto às denúncias sobre as condições de trabalho de aeronautas, o sindicato, mesmo acusado de corporativo, jamais poderá se omitir. Elas estão diretamente relacionadas às condições das operações de vôo. Pode ser que o vôo 402 não tenha nenhum problema dessa ordem. Mas muitos outros já tiveram.
Vale frisar também a necessidade de repensarmos a situação de nossos aeroportos quanto ao volume de tráfego. E pensarmos também que em todos os países do mundo temos aeroportos em centros povoados, mas não sei se em todos eles a vulnerabilidade da fiscalização é tão grande quanto no Brasil. O piloto não sumiu, deixou-nos essa triste fotografia.

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