São Paulo, quinta-feira, 14 de novembro de 1996
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Walter Salles descobre o Brasil

CELSO FIORAVANTE
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Fernanda Montenegro escreve mais uma carta. Pé direito fora do sapato, a relaxar. Saia verde-musgo e guarda-pó azul-clarinho.
"Corta!", grita Walter Salles, o diretor de "Central do Brasil", filme que roda desde a sexta-feira passada na estação de trem homônima, no Rio de Janeiro, e que a Folha acompanhou com exclusividade no último fim-de-semana.
O passo seguinte é correr para o outro lado da mesa, onde vai ajeitar os cabelos do personagem Nordestino, interpretado pelo ator paraibano Edilson Alves.
Aproveita ainda para dar novas instruções ao ator, um dos tantos descobertos pelo país afora durante as andanças de Sérgio Machado. O assistente de direção saiu à caça do ator-mirim que deveria ser o protagonista do filme.
Por um acaso do destino, quem acabou sendo selecionado foi Vinícius de Oliveira, de 8 anos, um engraxate que ofereceu seus serviços ao diretor no aeroporto Santos Dumont, no Rio (leia outras descobertas do elenco em quadro nesta página).
"Se esse filme quisesse ser de alguma forma próximo da realidade, esses atores teriam que ser convidados. Isso não é apenas um ponto desejável, mas praticamente obrigatório em um país com tantos talentos", disse Salles.
"A crise no cinema fez com que a gente tivesse medo de trabalhar com desconhecidos. Você aprende muito com os não-atores. Eles trazem um grau muito grande de honestidade à cena que muitas vezes um profissional não consegue acompanhar. Eles insuflam vida ao filme."
A protagonista Fernanda Montenegro interpreta Dora. Ao escrever as cartas alheias e ouvir todo tipo de desejo, esperança ou lamentação, Dora funciona -meio a contragosto- como a psicóloga de um Brasil marginalizado e excluído, que circula em torno dos trilhos da estação Central do Brasil.
Ao longo de sua trajetória, Dora vai sofrer uma espécie de redenção. Vai ganhar uma "humanidade", que é o que interessa a Walter Salles em toda a produção cinematográfica.
"Se tem algo que me interessa hoje é um cinema mais humanista, da forma que é praticado pelos iranianos, como em 'Onde Está a Casa de Meu Amigo', que oi o filme que revi antes de começar a filmar 'Central do Brasil'. Hoje, só me interessa em cinema reencontrar um universo próximo do documentário. Tenho cada vez menos interesse em uma adaptação literária ou em fazer um filme por encomenda", disse.

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