São Paulo, quinta-feira, 14 de novembro de 1996
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Indefinição marca novo CD de Marina

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REDAÇÃO

"Registros à Meia-Voz" vem se somar à obra de Marina Lima como mais um trabalho em que a cantora e compositora rejeita a idéia de associar sua carreira a qualquer fio condutor.
Essa tem sido sua marca desde a estréia, em 1979. Ela continua tão indefinível quanto sempre.
"Registros" opta pelo estranhamento: violinos se misturam a sintetizadores, e não parece pop, funk, MPB, dance ou bossa nova, apesar de usar um pouco de cada.
Mantém-se em pique de modernidade, com arranjos complexos e antenados ao que há de atual em música -no que se alia a Edgard Scandurra, solitários os dois entre os de sua geração.
A inclusão de "Para um Amor no Recife", canção de 1971 de Paulinho da Viola, leva a fundo o estranhamento. A idéia de ela cantá-lo já é esdrúxula, e se torna mais ainda pela tonalidade bossanovista que ela imprime à releitura.
Parece uma tentativa de síntese: o samba puro de Paulinho se encontra com o jazz de Tom Jobim -como a afirmar que a brasilidade de ambos é equivalente.
Talvez seja, mas soa descolado, alguma coisa fora de lugar. E é assim que se pode definir a própria artista: uma criadora pop brasileira, a quem o rótulo "brasileira" não se encaixa muito bem.
Sempre antenada com o presente, talvez Marina seja vítima da contemporaneidade -muitas de suas sempre modernas criações tendem a datar dez anos depois, não chegam à atemporalidade.
Apesar da beleza circunstancial de, não se adequando à "brasileirice", atacar de frente a idéia de cultura de raiz propagada ultimamente pelo ministro da Cultura, ela padece de tanta indefinição.
Não porque não pareça suficientemente brasileira, mas porque sua voz -uma das mais personais do Brasil- dilua-se às vezes em artificialidade, como agora, em "Tempestade" ou "Retorno".
O choque com Paulinho da Viola leva à reflexão de que uma voz desse tamanho -ouça "O Solo da Paixão" ou "Irremediáveis Mortais"- não tem, nunca teve, um compositor que a traduzisse de forma definitiva.
Uma pista se encontra ao final do CD. Marina regrava "Mesmo que Seja Eu", de Roberto e Erasmo, que já era clássico absoluto na primeira versão que ela fez, em 1984.
Consegue não tornar a releitura desnecessária, apesar do aborrecimento de apresentar a banda durante a canção. É a quarta vez que grava Roberto, e pela quarta vez o resultado é brilhante.
Como em "Emoções" (82) e "Por Isso Corro Demais" (que gravou em disco-tributo a Roberto em 94), ela atualiza a figura-mito do "Rei", comprovando-o atemporal e bem maior do que o senso crítico comum costuma admitir.
À própria Marina, falta por ora provar-se a si própria atemporal -coisa que ela já fez, em discos como o dançante "Marina Lima" (91) e o sofisticadamente pop "O Chamado" (93). Ela pode, e o Brasil merece.

Disco: Registros à Meia-Voz
Artista: Marina Lima
Lançamento: EMI
Preço: R$ 20, em média

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