São Paulo, sexta-feira, 15 de novembro de 1996
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O Real e o uísque

CELSO PINTO

O Plano Real não ajudou apenas a aumentar o consumo de frango. Deu uma bela empurrada no consumo de uísque. Neste ano, segundo algumas estimativas, o Brasil se tornará o décimo maior consumidor mundial de uísque. Entre os países em desenvolvimento, ficará atrás apenas da Coréia do Sul.
Os números, no mercado de uísque, são escorregadios, até porque o setor mantém a tradição centenária de ser alimentado, em muitos países, pelo contrabando. A estimativa do maior produtor mundial de uísque, a United Distillers (UD), que tem metade do mercado brasileiro, é que o consumo de uísque aumentará 50% de 94, início do Plano Real, até o final deste ano. Desde 92, ele quase dobrou.
Ao contrário do frango, o que vem ajudando o uísque não é o aumento do poder aquisitivo das camadas mais pobres, mas a combinação entre abertura externa e estabilidade. Desde o início da década, as tarifas cobradas para importação de uísque caíram de 70% para 20%, que é a tarifa do Mercosul. O produto está mais disponível, e os preços, embora ainda muito altos, estão mais padronizados e competitivos.
Os brasileiros vão beber algo em torno de 2 milhões de caixas (de 12 garrafas de 750 ml) de uísque este ano, ou algo como uma garrafa para cada seis brasileiros. Com toda a abertura e a redução de tarifas, contudo, a maior fatia não virá da importação direta da Escócia.
Em vários países, o que não entra oficialmente chama-se contrabando. O caso do Brasil é mais sutil. O grande abastecedor do mercado nacional é o comércio formiga de brasileiros no Paraguai. Não é necessariamente ilegal, se cada pessoa respeita os limites legais de compra e simplesmente entra e sai do Paraguai dezenas de vezes. A ilegalidade está na revenda com lucro, mas esse é um comércio abertamente tolerado.
As estimativas do Banco Central são que o comércio de fronteira com o Paraguai movimenta algo entre US$ 4 bilhões e US$ 6 bilhões por ano. No caso do uísque, a estimativa da UD é que hoje cerca da metade do uísque consumido no Brasil venha dessa origem. Outros 10% a 20% entram através dos free-shops, lojas livres de impostos, nos aeroportos internacionais.
Esse mercado, que o diretor regional para a América Latina da UD, Pepe Colombo, cuidadosamente chama de "paralelo", já foi muito maior. No início da década, somando a entrada via Paraguai e via free-shops, chegava a 80% do total consumido no país. Hoje, ele calcula em 60%.
Por essa razão, calcular o mercado é um exercício complicado. A UD, por exemplo, faz um "blend" de dados vindos dos embarques oficiais medidos pela Scotch Whisky Association, com cálculos de três empresas que medem os mercados de diferentes formas, a Product Audit, a Canadian e a International Wine and Spirit Reasearch. Da mistura desses dados, estima-se que o Brasil ocupará o décimo lugar este ano.
Ninguém no setor imagina que o mercado paralelo vai desaparecer, por uma boa razão: mesmo com a redução de tarifas, os impostos fazem com que o preço de venda no Brasil seja o dobro do preço original. Enquanto essa margem existir, haverá estímulo a mercados paralelos. Se um dia houver repressão ao mercado formiga do Paraguai, existem pelo menos três rotas alternativas: a entrada via Guiana-Boa Vista e os mercados livres de Chuí, no Uruguai, e Puerto Aguirre, na Bolívia.
Ainda assim, o Brasil e a América Latina se transformaram num mercado mais do que apetitoso para as grandes produtoras: depois da UD, estão a Allied Domecq, a Seagram, a IDV (Grand Met) e a William Grant & Sons. Para a UD, por exemplo, que faturou 2,5 bilhões de libras (US$ 4,8 bilhões) no ano passado e lucrou 700 milhões de libras (US$ 1,2 bilhão), o Brasil junto com o Paraguai foram o quarto mercado mais lucrativo. A América Latina responderá por 18% do total este ano, atrás apenas da América do Norte e da Europa.
Num mercado internacional de uísque que passou por uma enorme crise de 79 a 87 e, desde então, vem crescendo a conta-gotas, a América Latina transformou-se num oásis. Quanto mais se consolidam os mercados oficiais, mais as grandes empresas do setor estão sendo atraídas a investir diretamente na distribuição e abocanhar outra fatia do lucro do negócio.

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