São Paulo, sexta-feira, 15 de novembro de 1996
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"Basquete Blues" investiga a glória e a agonia do "sonho americano"

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

A classificação "documentário" está longe de esgotar "Basquete Blues", embora o filme de Steve James acompanhe, durante quatro anos, a evolução de Arthur Agee e William Gates -duas jovens promessas do basquete de Chicago.
Ao longo desse tempo, arma-se a trama que envolve, a um só tempo, aspectos existenciais e sociais, o destino e o suspense. Em suma, acompanhamos a trajetória de dois garotos negros, pobres, que graças a seus dotes esportivos tornam-se bolsistas em St. Joseph, uma escola de ricos.
Mas o esporte é mais pretexto do que centro do filme. Em seus 176 minutos de duração, "Basquete Blues" compõe um ensaio sobre a tradicional instituição do "sonho americano".
Ali, Isiah Thomas aparece na condição de menino pobre que saiu de St. Joseph para se tornar superastro: a imagem da glória.
E o sr. Pingatore, célebre técnico do basquete colegial, entra antes de tudo como um agente da boa consciência social: o sujeito que está lá para mostrar que o paraíso da ascensão social (via NBA, no caso) é atingível, sim, por quem estude e trabalhe como louco.
Ao lado desses seres mitológicos, existe a realidade dos protagonistas. As dificuldades familiares de Arthur, por exemplo, terminam por ejetá-lo de St. Joseph. É remetido a uma escola pública, Marshall.
William, que tem um início de carreira fulgurante (Pingatore julga, até, que está realizando seu próprio sonho, o de descobrir um novo Thomas), em dado momento tem o joelho estourado e precisa se operar.
O espectador é confrontado tanto ao que vê (exemplo: a horas tantas, o pai de Arthur é preso por tráfico de drogas), como às fantasias dos protagonistas e dos que convivem com eles (exemplo: o irmão de William, jogador talentosíssimo, porém nunca descoberto, é um fracassado que deposita todas as esperanças de vida no irmão).
Entre uma reviravolta e outra (e elas não param por aí, são muitas), Steve James documenta um estado de coisas agônico (o da população negra dos EUA) e envolve seu espectador com mão de ficcionista.
Transmite a dimensão dramática de que se reveste a vida dos protagonistas -autênticos "sobreviventes sociais"- e lança expectativas em torno do futuro de seus jovens heróis.
Compõe um filme em que os aspectos se acumulam, de modo a dar conta de uma realidade múltipla, complexa, de certo modo nunca conhecida por inteiro.
Bom exemplo é um episódio que não está no filme, mas no livro publicado a partir dele (editado pela Cia. das Letras). Em dado momento, William vai a uma clínica de jovens atletas. Dá um baile em outro jovem talento, Grant Hill. Bem, Hill hoje está no "Dream Team"; Gates, ninguém saberia quem é, se não fosse pelo filme.
"Basquete Blues" é isso: uma investigação sobre o acaso, o mistério dos seres, o destino. Deve mais a "Cidadão Kane" do que a Thomas ou Pingatore.

Filme: Basquete Blues (Hoop Dreams)
Produção: EUA, 1994
Direção: Steve James
Com: Arthur Agee e William Gates
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco/sala 4

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