São Paulo, sexta-feira, 15 de novembro de 1996
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O bingão do desemprego

JOSÉ SARNEY

O desemprego é um dos indícios do êxito das políticas neoliberais. Vladimir Dlouhy, ministro da Economia tcheco, afirmava que, se o desemprego não chegasse a 10%, "as reformas não estavam funcionando".
Na introdução do livro "Reformas Económicas en las nuevas democracias", assinado pelos professores Bresser Pereira, Raravall e Przeworski, editado pela Alianza Universidad, na Espanha, está escrito que as políticas neoliberais necessitam de "crescimento negativo a curto prazo" e que "para os partidários das reformas, a estagnação e o fechamento de empresas constituem provas de que as reformas são eficazes". Se tem desemprego e recessão, tudo vai bem.
A nossa Constituição retórica diz que o trabalho é um direito. Na verdade tornou-se um privilégio. Só na indústria, 900 mil empregos foram extintos em São Paulo. No Nordeste o desemprego não é doença, é peste, a gota.
Há uma epidemia de programas de demissão "voluntária". Alguns, como o do governo federal, com ares de bingão da sorte: "Peça sua demissão em cinco dias e ganhe 25%! Seu salário vai melhorar!" Mas não faltam justificativas. "O desemprego é estrutural, conjuntural. Universal."
A verdade é que entramos de cabeça para baixo nessa do modelo do neoliberalismo selvagem, com a máscara de reformas, caminho que nem mais os Estados Unidos e a Europa aceitam.
Todos os países estão se defendendo. Abertura total para os outros. Para eles, abertura gradual, com salvaguardas dos interesses nacionais.
A dura realidade é diferente. O desemprego é um componente básico desse modelo, estabelecido pelo Consenso de Washington. Não adianta querer tapar o sol com a peneira. Cá para mim, o vilão da história não está nos funcionários e trabalhadores.
E que adianta a economia feita com esses programas? Quase nada. O problema é o serviço das dívidas, externa e interna, hoje mais interna do que externa. Uma quinzena de juros vale todo um programa desses que é mais para efeito de propaganda do que para efeito concreto.
Os EUA e outros países desenvolvidos têm dívidas internas maiores do que a nossa. É verdade. Mas elas estão diluídas em longo prazo, em títulos do Tesouro distribuídos por milhões de portadores e fundos, a juros baixíssimos. Aqui, a dívida interna está concentrada num único setor, o dos bancos, e o governo prisioneiro destes, que são os árbitros da rolagem da dívida e dos juros.
No Maranhão, houve em 1950 um grande tiroteio. Levaram um caminhão de corpos para o cemitério. Na hora do enterro ouviram-se uns gemidos: "Eu ainda estou vivo, não me enterrem". A resposta: "Cala boca, o doutor Pedro Braga já assinou o seu atestado...".
A situação do desempregado é esta: salário zero, não adianta gritar. Seu caminho é ser enterrado. E fazem tudo para convencer que quem está desempregado está empregado, e seu emprego é o desemprego. Você está empregado? Agradeça a Deus!

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