São Paulo, sábado, 16 de novembro de 1996
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Prefeito paulistano é discreto, pouco marcante e tido como competente

MAURICIO STYCER
DA REPORTAGEM LOCAL

Peça ao prefeito Paulo Maluf para contar alguma história divertida sobre o prefeito eleito de São Paulo, o carioca Celso Roberto Pitta do Nascimento: "Não tem. Não tem. O Pitta é sério. Ele não ri".
A visão que Maluf transmite de seu pupilo é compartilhada por pessoas que convivem ou conviveram com Pitta nos últimos 40 anos.
Introvertido, reservado, quieto, discreto, "low profile" -esses mesmos adjetivos pontuam todas as tentativas feitas por amigos e colegas de trabalho para definir o próximo prefeito de São Paulo.
Várias pessoas ouvidas pela Folha arriscam uma explicação parecida para o temperamento de Pitta: criado com todos os confortos oferecidos por uma família de classe média, ele sempre frequentou, em posição minoritária, ambientes dominados por brancos -nas escolas, nas universidades e nos postos de trabalho que ocupou.
Em sua turma na Faculdade de Economia e Administração da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), por exemplo, havia dois negros entre os 50 alunos.
Pitta passou pela UFRJ entre 1965 e 1968. Em plena efervescência política e cultural, ele é lembrado por seus colegas como uma pessoa extremamente dedicada ao curso e ao futuro profissional.
Pitta integrava um grupo de estudos que, após as aulas, se reunia em casa para aprofundar as discussões acadêmicas.
Durante uma visita do brazilianista Werner Baer ao Rio, o grupo aproveitou para promover um seminário com ele. "Éramos vistos como os CDFs da turma", lembra, rindo, o economista Hélio Portocarrero de Castro, hoje diretor da Susep (Superintendência de Seguros Privados).
Numa época em que as pessoas eram "de esquerda", "alienadas" ou "reacionárias", "Pitta certamente não era um reacionário", depõe o tucano Portocarrero, que nos tempos da faculdade se posicionava como "de esquerda".
Apesar da dedicação, as notas de Pitta na faculdade não são as de um aluno brilhante, mas bom.
Pelé em Leeds
Em sua passagem por Leeds, na Inglaterra, onde fez um mestrado em economia dos transportes, entre 70 e 71, Pitta também chamou a atenção por causa de sua cor.
Era conhecido como mr. Nascimento (seu último sobrenome) e, apesar da formalidade do ambiente, era alvo de brincadeiras sobre o seu "parentesco" com um outro negro brasileiro que tem o mesmo sobrenome, Edson Arantes do Nascimento, o Pelé.
"Brincávamos sobre ele ser irmão de Pelé. Não era irmão de verdade, ou era?", pergunta, hoje, o economista britânico Ken Gwilliam, à época professor de Pitta.
A tese de mestrado de Pitta, sobre a estrada Transamazônica, não deixou qualquer tipo de recordação em Gwilliam. "Não me lembro. O mestrado na Inglaterra não é como o doutorado. O trabalho final é só uma dissertação", diz.
A passagem de Pitta pelo Ipea (Instituto de Planejamento Econômico e Social), do Ministério do Planejamento, foi um pouco mais marcante, mas não o suficiente para que seu superior imediato, Josef Barat, se recorde de um detalhe hoje importante: o tema do artigo que escreveram a quatro mãos.
"Era um técnico muito educado, muito afável, de fácil comunicação", diz Barat, que foi secretário dos Transportes nos governos Faria Lima e Moreira Franco (RJ).
Barat acha que, desde o final dos anos 60, Pitta já demonstrava "sensibilidade" para o problema dos transportes urbanos, mas se recusa a comentar o projeto "Fura-Fila" do prefeito eleito.
"Todos os candidatos falaram coisas que não tinham a ver com a realidade dos fatos. Em época de eleição, a discussão normalmente fica fora de foco", diz.
Lesoto em SP
A carreira de Pitta, no setor público ou na iniciativa privada, é marcada por histórias parecidas com o relato feito por Barat: nenhum fato marcante, além da lembrança de que o prefeito eleito de São Paulo foi um excelente profissional por onde passou.
Mas, em pelo menos um posto, apesar dos depoimentos favoráveis de quem esteve ao seu lado, Pitta não alcançou sucesso.
Nomeado cônsul honorário do reino de Lesoto em São Paulo, em 1992, Pitta não conseguiu ajudar esse pobre país africano a melhorar as suas relações com o Brasil.
Dados da Câmara de Comércio Afro-Brasileira sobre o comércio bilateral entre o Brasil e 56 países africanos mostram que em 1994 e 1995 houve comércio zero apenas com dois: Lesoto e Saara Ocidental (um território em litígio entre o Marrocos e a Frente Polisário).
Mas o fracasso das relações comerciais com o Brasil não abala nem um pouco o reino africano, diz Eunice Bulane, embaixadora de Lesoto no Brasil, EUA e México (a embaixada fica sediada em Washington).
"Não dei a ele instrumentos suficientes para ajudar nos negócios. Ele precisa de mais informações sobre as oportunidades de investimento em Lesoto. Gostaria de dar mais poder a este homem muito sério", diz a embaixadora.
Bulane e Pitta se conheceram no início de 1995, quando ela foi a Brasília entregar as suas credenciais ao governo brasileiro. "Não sabia que ele estava disputando eleições. Como prefeito, vai poder ajudar mais o Lesoto."
Bulane também demonstrou surpresa ao ser informada pela Folha de que Pitta diz, em seu site na Internet, que se licenciou do cargo de cônsul honorário durante a campanha eleitoral.
"Ele deveria ter avisado a embaixadora ou a mim", diz o ex-deputado federal Adalberto Camargo, responsável pela indicação de Pitta ao cargo de cônsul honorário.
Camargo, presidente vitalício da Câmara de Comércio Afro-Brasileira, avalia o trabalho do cônsul Pitta como "espetacular".
"Ele mantém muita correspondência e troca de informações. Ainda não deu tempo de dar frutos", diz Camargo, que, como outras pessoas que conhecem Pitta há muito tempo, o trata como Celso.
Carros, vinhos e jazz
Como Paulo Maluf, o prefeito eleito Celso Pitta é um apaixonado por carros e velocidade.
Entre os seus atuais quatro carros, Pitta conta com um potente Alfa Romeo 95. Seu amigo José Aloysio Borges, membro do conselho de administração do Banco Real, conta que já passou por alguns sufocos com Pitta ao volante.
"Talvez a paixão dele por carros venha do pai, que foi comerciante de automóveis", arrisca Borges.
Pitta também é um exímio conhecedor de jazz, embora publicamente manifeste apreciar apenas jazzistas consagrados, como Oscar Peterson e Ella Fitzgerald.
Não é um profundo conhecedor de vinhos, mas tem curiosidade e se interessa pelo assunto. Bebe socialmente uísque (em sua casa costuma ter Logan e Johnnie Walker rótulo preto) e cerveja.
Uma piada
A maioria das pessoas que o conhece afirma jamais ter ouvido Pitta contar uma piada, mas sabe-se de pelo menos um momento, durante a campanha para a prefeitura, em que foi visto fazendo rir os seus interlocutores.
Pitta jantava com um grupo de empresários, no restaurante In Città, quando contou uma piada, cujos termos são impublicáveis, sobre a mania de políticos prometerem tudo aos eleitores -até coisas pessoais que não podem dar.
A piada fez muito sucesso. Antes da sobremesa, Pitta foi obrigado a deixar a mesa e foi participar de um compromisso da campanha.

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