São Paulo, sábado, 16 de novembro de 1996
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Gás natural para o desenvolvimento

PAULO JULIÃO

Depois de 30 anos de negociações, algumas vezes interrompidas por golpes de Estado, Brasil e Bolívia chegam finalmente a um acordo histórico, com a assinatura do contrato de construção do gasoduto para o fornecimento de gás natural à região de maior desenvolvimento industrial -de Mato Grosso ao Rio Grande do Sul.
É um investimento para o futuro, da ordem de US$ 1 bilhão, com a participação da Petrobrás e da iniciativa privada, bancos internacionais que acreditaram no potencial brasileiro.
A notícia, em si, tem alguns aspectos que nos levam a algumas reflexões.
De um lado, os responsáveis pela política energética brasileira dão um passo da maior importância para ampliar nossa matriz energética. Do modesto 0,2%, o gás natural passará a representar cerca de 10% na cesta energética brasileira.
É pouco em relação aos números apresentados pela vizinha Argentina, que tem no gás natural cerca de 25% da fonte de energia para movimentar o comércio, a indústria e os serviços. Para nós é apenas um começo. Mas promissor.
De outro lado, é preocupante, porque o contrato de fornecimento de gás boliviano terá duração de 20 anos. As reservas bolivianas provadas, de certa forma, deixam nossos técnicos tranquilos.
No entanto, essa tranquilidade seria maior se tivéssemos a garantia de que o gás natural existente na bacia de Santos merecerá um pouco mais de atenção do setor.
Dispomos de informações suficientes para garantir que a bacia de Santos é, pelo menos, três vezes maior do que a bacia de Campos, onde se encontram alguns campos gigantes, como o de Marlim, por exemplo.
Os contratos de risco celebrados pelo governo Geisel entre a Petrobrás e empresas estrangeiras especializadas na prospecção de petróleo e gás permitiram que o país detectasse, com pequena margem de erro, o potencial da bacia de Santos. Lá foi encontrado o campo de Merluza, que hoje fornece parte do gás natural que movimenta indústrias no pólo de Cubatão, além de abastecer o parque industrial do ABC.
Porém, o que mais nos deixa otimistas é a possibilidade de utilização do gás natural como elemento de geração de energia elétrica.
Os estudos do setor energético garantem que, dentro de pouco tempo, caso não sejam adotadas medidas urgentes, haverá um colapso na produção de energia por parte das hidrelétricas.
O setor começa a dar mostras de exaustão, especialmente nas regiões Sul e Sudeste, motivada pelo desenvolvimento da atividade industrial e pela ampliação da carteira de consumidores residenciais com o aumento da densidade demográfica urbana.
Para resolver o problema da demanda de energia, há necessidade de construção de barragens e de domar os rios selvagens, muitas vezes a altos custos para o meio ambiente, com o alagamento de enormes áreas.
Também a área agriculturável sofre com as hidrelétricas; haja vista a quantidade de terra de excelente qualidade inundada com a construção de Itaipu.
Assim, as hidrelétricas têm custos altíssimos e levam, no mínimo, dez anos para entrar em operação comercial. Até lá, os blecautes são previsíveis e inevitáveis.
O gás natural é ideal para fazer girar o propulsor das termoelétricas. Desde que explorado racionalmente, do mesmo modo como vem sendo feito nas bacias de Campos e de Santos, teremos condições de implantar, durante a construção do gasoduto, usinas termoelétricas que podem gerar energia suficiente para evitar interrupções do fornecimento.
Além de ser um combustível de queima limpa -não interfere no meio ambiente com partículas, inundações ou desastres ecológicos irreversíveis-, o gás natural está sempre à disposição, transportado por tubulação.
No exterior, vemos algumas teorias ousadas serem transformadas em ações concretas no que se refere à transformação de usinas atômicas em termoelétricas movidas a gás natural.
Não seria o caso de mudar o perfil de Angra 1, uma vez que temos de dominar a tecnologia de geração de energia com esse combustível. Porém Angra 2 e Angra 3 poderiam ser repensadas. O advento da descoberta das grandes jazidas de gás natural em nosso território permite que nos voltemos para o futuro com um pouco mais de confiança.
O gasoduto Brasil-Bolívia é um grande passo para o desenvolvimento, não só do parque industrial, como do agribusiness e da qualidade de vida urbana.

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