São Paulo, domingo, 17 de novembro de 1996
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Arrogância tecnocrática

OSIRIS LOPES FILHO

Confesso que a escalada tributária do governo federal vai, de novo, interromper minha programação de artigos.
Pensava em continuar comentando o projeto de lei que trata das alterações no Imposto de Renda, IPI e penalidades, e que, como tem ocorrido ultimamente, arrocha o contribuinte perversamente.
Foi editada mais uma medida provisória. A de nº 1.526, que procura viabilizar dispositivos constitucionais (artigo 170, IX, e 179), que estabelecem tratamento diferenciado em favor das micros e pequenas empresas.
É uma MP emblemática. Desnuda a estrutura de poder brasiliense, ao mostrar a fragilidade da instituição legislativa, e, pior, o conformismo dos dirigentes das duas casas do Congresso.
Sob os auspícios do senador Sarney, estavam em tramitação na Câmara, já aprovados pelo Senado, dois projetos de lei tratando da matéria. O de nº 31/66, da parte tributária, o de nº 32/66, abordando registros, definição, apoio creditício, tratamento previdenciário e trabalhista.
Por discordar do regime isentivo previsto, decidiu o governo federal editar a referida medida provisória, abortando os dois projetos do senador Sarney.
Criticou-se o projeto isentivo do senador Sarney, sob o argumento de que ele provocaria uma perda de receita de R$ 4 bilhões. É fantástica a capacidade governamental de produzir cifras irreais. Tal montante, se tiver alguma correspondência, representa o que já não é arrecadado hoje, em decorrência da conjugação de absurda carga tributária e informalidade do setor, resultando em evasão.
Castrar a produção legislativa do Congresso via edição de medida provisória, respeitando-se os balizamentos constitucionais específicos de cada imposto, é prática costumeira do Executivo federal. Previu-se a adesão, por convênio, dos Estados, DF e municípios ao sistema de alíquota global. Não se deu bola para a Federação, decisão desses entes baseada em lei própria, a não-cumulatividade do IPI e do ICMS, a tributação do IPI, baseada no produto e não no produtor, em face da sua seletividade, em função da essencialidade do produto.
É mais uma versão da arrogância racionalista do governo federal, a produzir suas fórmulas de alquimia. E, ao se aliviar o Congresso da votação dos dois projetos Sarney, fica claro que o que dele se espera é votar a reeleição, desculpem-me a imprecisão, prorrogação do mandato do presidente FHC.

Osiris de Azevedo Lopes Filho, 57, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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