São Paulo, domingo, 17 de novembro de 1996
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Aumentar a poupança privada

FABIO GIAMBIAGI

Muito tem-se debatido acerca da necessidade de aumentar a poupança pública, como forma de incrementar a poupança e a taxa de investimento, sem o que qualquer tentativa de crescer a uma taxa da ordem de 5% ao ano ou mais frustrar-se-á inevitavelmente.
Alega-se que a poupança do governo, que era fortemente positiva nos anos 70, caiu muito nos anos 80, a ponto de se tornar negativa no fim da década passada e no início da década atual.
O ponto é estritamente correto. Contudo, pouca ênfase tem sido conferida ao dado de que, quando se compara a situação dos últimos três anos com a dos anos anteriores, um fato destacado é o aumento do consumo privado, que guarda uma correlação inversa com a poupança privada.
Dito de outra forma: se, em 1995, a taxa de poupança da economia tivesse se conservado nos mesmos níveis de 1989/1992, a taxa de poupança da economia poderia ter sido quase quatro pontos do PIB superior ao nível verificado (ver tabela).
Em 1995, em particular, houve um aumento expressivo do consumo privado, que teve um "delta" de variação de 2% do PIB, em virtude da combinação da quase eliminação do imposto inflacionário com a recuperação dos mecanismos de crédito a partir do final de 1994.
Há um cálculo simples a ser feito, portanto. A economia brasileira enfrenta uma clara restrição física ao crescimento, associada ao baixo nível de investimentos, que faz com que a cada surto de expansão um pouco mais rápida esbarre-se logo no teto de ocupação de capacidade. Em consequência, urge aumentar o investimento.
A tabela mostra claramente os dilemas implícitos nisso. Nela, o investimento deve aumentar de quatro a cinco pontos do PIB, para que a economia retorne a um patamar de crescimento sustentado da ordem de 5% ao ano. Para isso, é necessário reduzir os demais componentes do PIB: o consumo e as exportações líquidas -excluindo as importações.
Este último item já foi negativo em 1995, deverá ser mais negativo em 1996, e não é desejável que piore, para não termos problemas a médio e longo prazos no balanço de pagamentos. Portanto, a criação de espaço para que o investimento possa aumentar terá de vir de uma redução da importância relativa a) do consumo do governo (salários e outros gastos correntes) e b) do consumo privado.
Nesse sentido, a fonte de crescimento do investimento terá de vir também da redução deste último componente. E isso por dois motivos. Primeiro porque o consumo do governo terá de perder importância, mas não é realista, no curto prazo, esperar uma contribuição daquela magnitude vinda do governo. E segundo porque, por uma questão aritmética, é mais fácil reduzir o peso relativo de um item que pesa 65% que o de outro que pesa 17% no PIB.
Note-se, diante da possível indagação do leitor -"Para que investir, se não vai haver consumo?"- que estamos falando de uma queda relativa, e não absoluta, do consumo privado. Por exemplo, se o PIB crescer 5%, e o consumo privado, 3% durante quatro anos, ao final do período o consumo das famílias terá tido um aumento acumulado de 13%, apesar de sua participação no PIB ter caído de 65% para 60% do PIB.
O problema que os números expostos levantam é que a prescrição daquilo a fazer para aumentar a poupança privada, em primeiro lugar, não é totalmente clara; e, em segundo, está fora da alçada direta de intervenção do governo. Entretanto, os estudos disponíveis indicam que a poupança privada está positivamente correlacionada com o crescimento da economia e a estabilidade política do país, e negativamente correlacionada com o peso dos gastos previdenciários.
Consequentemente, admitindo que o Brasil passe a crescer a taxas maiores que as da década de 80/primeira metade dos anos 90, e que o ambiente de institucionalidade democrática se consolide definitivamente, conclui-se, mais uma vez, que um dos grandes desafios colocados para o país para este retomar uma trajetória de crescimento sustentado a taxas satisfatórias -de 5% ao ano ou mais- é o de fazer uma reforma da seguridade social, que aumente a propensão a poupar da sociedade.
Ao mesmo tempo, o papel do sistema financeiro de canalização da poupança para ampliar a oferta de crédito de longo prazo terá de ser reforçado, para evitar que os investimentos continuem dependendo apenas da geração de fundos próprios, do acesso ao crédito externo ou dos financiamentos do BNDES.

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