São Paulo, segunda-feira, 18 de novembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

De olhos abertos

JUCA KFOURI
DE OLHOS ABERTOS

Marcar cinco gols de cabeça num jogo só foi sempre a grande proeza atribuída a Dondinho, o pai do Rei Pelé, que acaba de fechar os olhos.
Trata-se, de fato, de uma façanha única. Fazê-los todos, no entanto, de olhos abertos, ou apenas um que seja, é desafio para qualquer craque.
E Pelé, ainda menino, não conseguia abri-los no momento do cabeceio. O instinto natural diante do impacto da bola na testa fazia com que ele os fechasse na hora H.
Até que o pai, numa noite em Bauru, chamou-o para ensinar o segredo que haveria de transformá-lo também num cabeceador exímio.
Sentou-se com ele junto à mesa da humilde sala de jantar, puxou um pouco mais o fio da lâmpada que iluminava o ambiente e mandou que Pelé fixasse os olhos bem abertos nela.
Cego pela luminosidade, Pelé lhe disse que era impossível. Dondinho não esperava outra resposta e recomendou que o filho semicerrasse os olhos e voltasse a fitar a lâmpada.
Aí sim, dava para ficar olhando por um bom tempo.
"Pois a mesma coisa deve ser feita quando você se prepara para cabecear uma bola. Deixe os olhos meio abertos e não espere que a bola bata em sua testa. Faça um movimento para frente com o pescoço, leve a cabeça à bola, não espere por ela e olhe onde está o goleiro", foi mais ou menos o que Dondinho explicou segundo conta o filho prodígio.
Entre lâmpadas e bolas, Pelé automatizou o movimento e, gênio, chegou ao ponto de cabecear com os olhos inteiramente abertos, livrando grande vantagem sobre outros cabeceadores e, sobretudo, sobre zagueiros e goleiros, que deslocava inapelavelmente.
Naquela noite em Bauru, o Rei aprendeu a fazer gols como aquele que, em 1970, na Copa do México, abriu o caminho para a vitória brasileira diante da Itália por 4 a 1 e valeu o tri.
Obrigado, seu Dondinho. Ninguém viverá o bastante no mundo do futebol para agradecer o que senhor fez por nós.
*
A Rainha-Mãe, dona Celeste, estava quietinha e resignada em seu canto no velório. Tinha a grandeza de quem sabe que companheiro assim não se perde, guarda-se para sempre.
Seus olhos agudos revelavam a força dos que crêem que o reencontro é uma certeza. Simples, pediu ao filho famoso que não fosse ao ato final, para que todas as atenções estivessem voltadas ao marido.

Texto Anterior: Anteontem
Próximo Texto: Atlético-PR vê perseguição na derrota para o Santos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.