São Paulo, domingo, 24 de novembro de 1996
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O mistério dos TDAs

O deputado Delfim Netto, do PPB paulista, acha estranho o interesse no mercado pelos Títulos da Dívida Agrária, os TDAs, que levou à subida de sua cotação, nas semanas que precederam a edição de uma medida provisória que reforça o valor desses papéis.
"Causa estranheza o fato de que houve uma negociação intensa de TDAs com elevação de seus preços nos últimos 45 dias", diz ele. "É estranho que algumas pessoas sejam mais bem informadas do que outras", ironiza.
O fato por trás da observação do ex-ministro é uma decisão embutida na MP que alterou, nesta semana, o Imposto Territorial Rural (ITR). Ao mesmo tempo em que fixou decisões sobre o ITR, a MP consolida e refinancia os TDAs.
Os TDAs foram emitidos ao longo de vários anos, como pagamento de desapropriações de imóveis rurais. Eles têm prazos e remunerações diferentes e uma parcela dos TDAs esteve sujeita, no passado, à discussão com o governo. Alguns, no mercado, calculam que existam R$ 400 milhões de TDAs; outros cálculos vão muito além disso.
Como algumas outras dívidas antigas do governo, os TDAs têm pouco prestígio no mercado. As dúvidas sobre se seriam ou não honrados levou o mercado a negociá-los com deságio. Parte dos TDAs foi usada como moeda "podre" em privatizações.
No mercado, existem duas cotações diferentes para os TDAs. Existe um tipo de TDA que foi registrado na Central de Custódia e de Liquidação Financeira de Títulos, a Cetip. Esses papéis, por serem reconhecidos e estarem sob custódia oficial, têm maior valor: sua cotação, segundo Delfim e outras fontes de mercado, está em torno de 65% do valor de face, ou seja, os papéis são negociados com um deságio em torno de 35%.
Existe, contudo, outro tipo de TDA no mercado, o não registrado, ou "não cetipado", no jargão do mercado. São TDAs que, por alguma razão, não foram apresentados para registro na Cetip por seus proprietários. Por esse motivo, eles são negociados no mercado com deságio muito maior.
A estranheza de Delfim se refere aos TDAs não cetipados. O deputado diz que eles valiam, há 45 dias, cerca de 35% de seu valor de face, ou seja, eram negociados com deságio de 65%. Teria havido tanta demanda por esses papéis, contudo, que seu valor teria subido para 45%, ou seja, seu deságio caiu para 55%.
O que faz a MP do ITR é consolidar a dívida dos TDAs e refinanciá-la em condições mais vantajosas. A MP determina que todos os TDAs devem ser registrados na Cetip. Os vencidos terão seu valor atualizado com base em juros de 6% ao ano.
Todos os TDAs, vencidos e a vencer, depois de registrados na Cetip, poderão ser trocados por um novo papel, o TDA série "E", com prazo de seis anos e remuneração pela Taxa Referencial mais 6% de juros ao ano. Com uma grande vantagem adicional: 10% do valor dos TDAs será pago pelo governo em dinheiro no primeiro mês depois de feita a consolidação.
Naturalmente, essas novas condições representarão uma valorização imediata dos TDAs. Delfim calcula que, considerado o pagamento imediato em dinheiro de 10% do valor, o prazo final e os juros embutidos, o valor intrínseco do papel subiria, de imediato, para 85% de seu valor de face. Quem porventura comprou um TDA "não cetipado" por 35% ou 45% de seu valor teria um ganho considerável tanto se mantiver o papel até o vencimento, quanto se vendê-lo no mercado secundário, supondo que o mercado passará a refletir esse novo valor intrínseco.
A consolidação em si da dívida do TDA não tem nada de estranho, ou indesejável. Na verdade, o governo vem tentando resolver a situação de vários débitos antigos considerados como perdidos, ou quase perdidos, pelo mercado. Recentemente, por exemplo, começou a consolidar e refinanciar a dívida do Fundo de Variação de Compensações Salariais (FCVS), outro papel que vinha sendo negociado com forte deságio no mercado secundário.
Delfim, aliás, diz que "aplaudimos a idéia de o governo resgatar essa dívida". O que ele estranha é a valorização que precedeu a medida. Ele promete fazer barulho com a questão no Congresso, em Brasília, esta semana.

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