São Paulo, domingo, 24 de novembro de 1996
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Governo brasileiro é 'perdulário', diz Sachs

ANTONIO CARLOS SEIDL
DA REPORTAGEM LOCAL

O Brasil está deixando de crescer 1% por ano como resultado de uma política perdulária de gastos públicos, que impede a redução dos juros, desvalorização da moeda -para estimular as exportações- e a formação de poupança pública e privada no país.
É o que disse Jeffrey Sachs, economista norte-americano, diretor do Instituto de Desenvolvimento Internacional da Universidade de Harvard (EUA), em entrevista exclusiva à Folha.
Ele afirmou que o tamanho da dívida pública no Brasil, de cerca de 35% do PIB -enorme em comparação com a taxa de 20% em países de rápido crescimento da Ásia- é o principal obstáculo ao crescimento do país.
Considerado pela "The New York Times Magazine" como "provavelmente o mais importante economista do mundo", Sachs criticou a falta de uma estratégia clara da política econômica do governo Fernando Henrique Cardoso.
"Gostaria de ver um plano plurianual com metas para a redução dos gastos públicos e do tamanho da máquina governamental."
Sachs conversou com a Folha na última sexta-feira antes de sua palestra no seminário "Prevendo riscos e evitando falência no terceiro ano do Plano Real", promovido pela Diálogo Desenvolvimento Empresarial, em São Paulo.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
*
Folha - Como o sr. avalia os primeiros dois anos do Plano Real?
Jeffrey Sachs - Um sucesso na sua principal missão, que foi pôr fim à alta inflação.
Folha - E as perspectivas para o terceiro ano?
Sachs - A inflação continuará baixa, mas o problema do Brasil hoje é que o crescimento econômico também é muito baixo.
Folha - O que precisa ser feito?
Sachs - O PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil está crescendo a uma taxa anual de 3%. O governo está projetando que o crescimento alcançará 4,5% a 5% por ano. O crescimento da população no Brasil é de cerca de 2% por ano. Isso significa que o crescimento per capita é, este ano, de cerca de 1% e , no ano que vem, será de 2,5%.
O Brasil tem que almejar um crescimento de 5% a 6%. O Chile está alcançando esse crescimento na América Latina e muitos países na Ásia também. O Brasil está muito longe disso.
Folha - Por quê?
Sachs - Porque as exportações representam menos de 10% do PIB, enquanto que nos países que mais crescem, na Ásia, por exemplo, as exportações são 30% a 40% do PIB.
O segundo problema é uma taxa muito baixa de poupança interna, de menos de 20% do PIB no Brasil, em comparação com 30% a 40% na Ásia e 27% no Chile.
Folha - O que está errado no Brasil?
Sachs - A máquina governamental é muito grande e o déficit governamental é muito grande. Consequentemente, o governo é um esbanjador, perdulário, e não um poupador.
O resultado é que o Brasil perde cerca de 1% por ano de crescimento econômico. Se essas distorções fossem corrigidas, o Brasil poderia crescer a uma taxa de 5% a 6% por ano.
Folha - Como o sr. avalia os esforços mais recentes para enfrentar o problema da falta de poupança e baixo crescimento?
Sachs - O maior problema é que o governo não definiu um cenário de cinco anos para explicar para onde o país está caminhando a longo prazo.
O maior desafio do governo em 1997 é definir uma estratégia econômica de cinco anos.
Folha - O que o sr. acha da tese de reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso?
Sachs - Essa é uma decisão que cabe à sociedade brasileira e ao Congresso brasileiro. Mas, em termos econômicos, a questão é saber se a barganha pré-eleitoral vai resultar no aumento da dívida interna e dos gastos governamentais.
Mas o governo pode aproveitar a oportunidade para apresentar um plano estratégico de longo prazo.
Pode ser uma ocasião positiva, não precisa necessariamente ser negativa.
Folha - O real está sobrevalorizado?
Sachs - O que preocupa é o medíocre crescimento das exportações no Brasil, especialmente de produtos manufaturados.
Manter a âncora cambial por muito tempo é um erro. Veja as crises no México e na Argentina em 1994 e 1995.
Não acho que o Brasil corre risco de uma crise a curto prazo do tipo mexicano.
Mas usar a taxa de câmbio como uma âncora para pôr fim à alta inflação é uma boa medida no curto prazo e má no longo prazo.
Folha - O que fazer?
Sachs - A resposta ideal é óbvia e parece impossível. Cortar o déficit orçamentário, desvalorizar o real em relação ao dólar e reduzir as taxas de juros.
Folha - O governo deveria acelerar o ritmo da desvalorização da taxa de câmbio?
Sachs - Não, porque o que está errado na economia brasileira é o mix de política fiscal e política monetária.
Não pode mudar a política monetária e mexer no câmbio sem corrigir o déficit fiscal.
O que tem que mudar é a estratégia da política econômica, adotando uma política fiscal rígida e política monetária mais flexível, significando taxas de juros menores.
Na minha opinião, a política econômica está errada, não é apropriada para o crescimento econômico, mas precisa de mãos na alavanca fiscal e alavanca monetária, não basta depreciar o câmbio.
Folha - O sr. está preocupado com o crescimento dos déficits comercial e em conta corrente no Brasil?
Sachs - O déficit em conta corrente por definição é igual ao montante de investimento menos o montante de poupança. Quando o país tem um déficit em conta corrente pode ser por causa de alto investimento ou por causa de baixa poupança.
No caso do Brasil, é por causa da baixa taxa de poupança e não investimento espetacular. O Brasil está poupando cerca de 19% do PIB, enquanto os países realmente bem-sucedidos estão poupando 30% do PIB.
O problema do Brasil é que a poupança interna é insuficiente e o déficit em conta corrente com este nível de poupança não é um sinal saudável.
Folha - Mas o investimento direto estrangeiro está aumentando. Este ano chega a US$ 7,5 bilhões, e no ano que vem deverá chegar a US$ 10 bilhões.
Sachs -Há boas razões para se investir no Brasil. Sempre digo Brasil, quando investidores estrangeiros me perguntam onde devem investir na América do Sul.
Mas estou preocupado com um aspecto desse investimento estrangeiro.
Folha - Qual?
Sachs - O investimento direto no Brasil é tradicionalmente voltado para o mercado doméstico. Gostaria de ver o investimento direto dirigido para o mercado externo. Esse tipo de investimento é muito baixo no Brasil.
Folha - Por quê?
Sachs - Atualmente, os salários estão relativamente altos, em dólares, por causa da taxa de câmbio. O Brasil está competindo com países como a Polônia, que está no meio da Europa, tem menores custos de transporte e de salários, porque corrige regularmente sua taxa de câmbio.
Estou satisfeito com a entrada de investimento estrangeiro no Brasil, mas não com o tipo de investimento.
Quando o investimento direto vai para a Malásia, Cingapura, Tailândia e Indonésia vai em busca do mercado mundial e é esta base internacional que está fazendo esses países crescerem tão rápido.
Um setor deveria estar mais presente no Brasil é o setor de eletrônica avançada e produtor de microprocessadores para o mercado mundial.

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