São Paulo, domingo, 24 de novembro de 1996
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Globalização pode ameaçar a democracia

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

A dinâmica do capitalismo contemporâneo está criando em escala mundial um ambiente favorável ao surgimento de alternativas políticas regressivas e antidemocráticas, tais como nacionalismo populista e o fascismo.
Essa tese foi exposta no Rio de Janeiro pelo filósofo francês Claude Lefort, um dos mais respeitados pensadores políticos da atualidade, durante o seminário "A Globalização, o Estado e o Indivíduo", promovido pela Souza Cruz na quarta e quinta-feira últimas.
Segundo Lefort, o capitalismo atual está agindo no sentido de desmontar as conquistas sociais do Estado de Bem-Estar, que vigorou na Europa nos 30 anos que se seguiram à Segunda Guerra, o que está levando a uma situação de exclusão de desfecho imprevisível.
O Estado de Bem-Estar, disse Lefort em sua conferência, foi criado como resposta a uma "exigência política de integração social". "Eu não defendo que esse Estado deva ser reestabelecido tal como existiu há algumas décadas, mas a questão é saber se ainda há no espírito democrático uma fonte de invenção capaz de se opor à cegueira do capitalismo", disse o filósofo.
Reação
A fala de Lefort provocou a reação do economista e professor da USP Eduardo Giannetti da Fonseca, presente ao encontro. Ambos trocaram farpas e acusações.
Giannetti cobrou uma definição melhor do que seria esse novo Estado de Bem-Estar defendido pelo filósofo. "Se o senhor reconhece que não podemos voltar ao modelo antigo, é porque aceita implicitamente que ele estava equivocado, era desfuncional. Qual é a alternativa?", perguntou Giannetti.
Irritado, Lefort respondeu de forma dura. "O senhor não espere que eu lhe dê o programa de um novo Estado de Bem-Estar. A sua questão é provocativa e o problema é esclarecer quais os princípios que estão em jogo. Se na Europa não tivesse existido o Estado de Bem-Estar, haveria uma exclusão social brutal no pós-guerra. Mas os economistas não entendem nada de exclusão social, assim como são incapazes de entender como é possível algo como o fascismo."
Foi o momento de maior tensão do encontro, que de resto revelou uma concordância genérica entre os debatedores cuja formulação teve algo de paradoxal: a globalização é inescapável para qualquer país, mas ninguém tem hoje a menor condição de afirmar onde esse processo vai desembocar.
Numa espécie de premonição involuntária do que seria a palestra de Lefort, Giannetti, que falou antes dele, afirmou que "os períodos de mudanças vertiginosas, como o atual, costumam gerar expectativas polarizadas, tanto de euforia como de catastrofismo".
Incerteza e ansiedade
Segundo Giannetti, "quem disser que sabe hoje para onde essa globalização vai nos levar está enganado ou tentando enganar os outros, mas não há como fugir dela, a não ser enterrando a cabeça na areia, como um avestruz".
O economista defendeu que há um grau de angústia e ansiedade hoje entre as pessoas que eram impensáveis até poucas décadas. "Há uma incerteza muito grande em relação ao futuro, as visões totalizantes da história faliram e falta orientação a todos sobre quais caminhos estarão abertos à humanidade de agora em diante", disse.
Fazendo o discurso mais aplaudido entre os empresários presentes, Giannetti disse que no cenário da globalização há três aspectos que ganham importância: "a estabilidade e a previsibilidade macroeconômicas, a agilidade e a flexibilidade comportamentais e o capital humano, cujo principal componente é a informação".
Participantes
Além de Giannetti e Lefort, participaram do seminário no Rio o filósofo Joshua Cohen, da Universidade de Harvard (EUA), o cientista político argentino Guillermo O'Donnell, da Universidade de Yale (EUA), o cientista político Eduardo Viola, da UnB (Universidade de Brasília), a economista Judith Tendler, do MIT (Massachusetts Institute of Technology), e o cientista político José Guilhon Albuquerque, da USP.

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