São Paulo, domingo, 24 de novembro de 1996
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Um passeio pelo poder

CIRO BIDERMAN; JOSÉ MÁRCIO REGO; LUIS FELIPE COZAC
ESPECIAL PARA A FOLHA

"No diálogo nós estamos realmente interpretando." Hans-Georg Gadamer, "The Hermeneutics of Suspiction"
A idéia deste livro surgiu nas aulas de doutorado da FGV (Fundação Getúlio Vargas) de São Paulo, quando comentávamos o livro de Arjo Klamer: "Seria interessante uma versão brasileira desse livro...". Foi então que ocorreu a oportunidade de um financiamento pelo Núcleo de Pesquisas e Publicação (NPP) da FGV. Logo após a aprovação, conversamos com Bresser Pereira, que imediatamente apoiou nossa iniciativa. Uma das principais conclusões desse encontro foi a importância de não se ater a questões conjunturais, visto que são perenes.
Na primeira metade de março de 1995, estivemos envolvidos na remessa das cartas-convite e conseguimos marcar as duas primeiras entrevistas: Eduardo Giannetti e André Lara Resende. No final de março, entrevistamos Giannetti, que, citando Fernando Morais, fez um comentário que iria nos acompanhar até o final do projeto: "Deus está nos detalhes". Em seguida, entrevistamos Lara Resende (em dois encontros). O entusiasmo de André com o projeto nos deixou ainda mais seguros. No final de maio, conseguimos marcar a entrevista com Maria da Conceição Tavares.
Chegamos à casa de Conceição, no Leme, às 11h15. Após uma breve apresentação, a professora disparou: "Pois bem, a quem vocês já entrevistaram?". Luis Felipe começou a responder: "Giannetti...", mas foi subitamente interrompido por Conceição: "Mas o Giannetti!? Então eu não estou entendendo nada desse projeto!". Durante duas horas e meia, fomos "massacrados" pela professora. Quem conhece Conceição Tavares sabe do que estamos falando... Mais tarde, Conceição deixou um carinhoso recado na secretária de Ciro: "Quero bem a vocês".
Em junho, realizamos a entrevista com Affonso Celso Pastore. Num primeiro momento, ele se recusou a participar do projeto, porém não se recusou a conversar conosco, e, após alguns minutos, pedimos para acionar o gravador. "Informalmente", nos pediu ele. Ao final da entrevista, perguntamos: "Pastore, podemos utilizar este material?" "Vocês foram subversivos... mas está bem, podem utilizar".
Agosto foi um mês particularmente difícil: desde 14 de julho não conseguíamos confirmar nenhuma entrevista. Porém, entre 29 de setembro e 29 de outubro, ou seja, no prazo de 30 dias, realizamos sete entrevistas. Por sorte, havíamos já nos preparado para elas, o que permitiu tal ritmo de trabalho num período tão curto.
Este período iniciou-se com Delfim Netto, seguido por Bresser Pereira. Em 11 de outubro de 95, fomos para o Rio de Janeiro. Ao meio-dia deveríamos estar na EPGE (Escola de Pós-graduação em Economia da FGV) para marcar a entrevista com Simonsen e às 16h em Copacabana para entrevistar Roberto Campos. Atrasamos em 20 minutos nossa chegada à FGV, em Botafogo. Para nossa sorte, Simonsen ainda estava lá e nos recebeu muito bem, apesar de seu estado de saúde. Em uma rápida conversa agendamos a entrevista para quinta-feira da semana seguinte, comentamos a saída de Bacha do BNDES: "Não deve ser fácil ter o Serra no cangote", o Nobel de Economia dado a Robert Lucas, a aversão do professor pela cidade de Brasília e a decepção de Geisel com Figueiredo.
Em seguida, nos dirigimos ao apartamento de Roberto Campos, um tríplex no Arpoador, onde fomos recebidos com cordialidade e coca diet. Iniciava-se o feriado de 12 de outubro e, na segunda-feira, dia 16, estaríamos -como diz Bacha- com o "mito em carne e osso": Celso Furtado.
Até dezembro terminamos as entrevistas: mais duas com Pérsio Arida, uma com Paulo Nogueira Batista Jr., duas com Belluzzo e mais uma com Bresser Pereira. Decidimos então que, dado o volume de material, era hora de parar. Esta decisão não foi muito fácil. Afinal de contas, vários nomes ficaram de fora. A última entrevista, a terceira de Pérsio Arida, se deu em 6 de dezembro. É uma pena que Pérsio, com seu perfeccionismo, tenha reduzido em muito uma brilhante entrevista.
Pode ser difícil para o leitor avaliar as dificuldades envolvidas na realização de um trabalho desta natureza. Não se trata apenas de registrar impressões no gravador. É necessário selecionar os depoentes, ler (ou reler) as principais obras do entrevistado, preparar roteiros e refazê-los à medida que surgem novos dados. Sem falar no trabalho de edição e checagem das referências. De qualquer maneira, a oportunidade de conversar com esses 13 economistas foi uma experiência muito rica.
Os depoimentos aludem aos conflitos políticos, às rivalidades com os pares, às redes de amizade, de partido e de escola, e permitem recuperar uma história que seria impossível de ser realizada a partir de textos escritos. Historiar as representações e o imaginário social implica analisar o passado pelo presente, a partir da relação entre história e memória. Quando tratamos da história de vida do entrevistado, entramos no mundo das emoções (paixões, ambições, ressentimentos), que permitem adentrar nos limites da racionalidade do ator histórico. Ao quebrar-se o esquematismo simplista, pode-se desvendar as relações entre o indivíduo e a rede histórica. A memória, com suas falhas, distorções e inversões, em vez de representar um problema, torna-se um importante elemento de análise. Os depoimentos expõem a complexa trama de idéias e das relações pessoais que embasam o pensamento, a teoria e a política econômica de uma dada época.

Ciro Biderman é doutorando na Fundação Getúlio Vargas (SP) e pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).
Luis Felipe Cozac é doutorando na FGV-SP e consultor de empresas.
José Marcio Rego é professor da FGV.

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