São Paulo, domingo, 24 de novembro de 1996
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Sindicatos alemães deixam luta de classes e adotam capitalismo

Libération
de Paris

LUCAS DELATTRE
EM BONN

"A economia de mercado, desde que social e ecologicamente condicionada, representa um progresso histórico importante em relação ao capitalismo desenfreado."
Quando se propuseram a incluir a frase acima no texto de seu novo programa, os dirigentes da DGB -a confederação sindical alemã, com 9 milhões de filiados- desencadearam um debate intenso no interior do movimento.
Foi a primeira vez que o movimento sindical alemão abandonou qualquer referência retórica à luta de classes e reconheceu os aspectos positivos da economia de mercado, considerada, num primeiro esboço do texto, depois rejeitado, "um sistema mais apropriado do que os outros à realização dos objetivos sindicais".
Essa discussão fundamental no interior da DGB tornou-se o tema de um congresso extraordinário de quatro dias, iniciado no último dia 13 de novembro, em Dresden.
A iniciativa do movimento sindical alemão lembra aquela do SPD em 1959: naquele ano, o Partido Social-Democrata, reunido em Bad Godesborg, abandonou qualquer referência ao marxismo. Em Dresden, os dirigentes sindicais alemães refletiram sobre uma nova definição de seus objetivos.
"O Estado social não é uma cornucópia", reconheceu o presidente da DGB, Dieter Schulte.
Em outras palavras, os sindicatos querem deixar claro que a questão do financiamento da proteção social passou a ser prioritária e que não se pode permitir que seus custos aumentem ainda mais.
Globalização e crise
A central sindical também adotou uma nova postura realista em relação à redução da carga de trabalho. Essa redução, que continua sendo vista como a melhor maneira de combater o desemprego, deixou de se fazer acompanhar pela reivindicação de salários iguais aos anteriores. Os tempos mudaram em relação a 1984, quando o sindicato nacional dos metalúrgicos, IG Metall, conseguiu a redução da semana de trabalho para 35 horas sem a redução dos salários.
Forçado a levar em conta a globalização da economia, o movimento de defesa dos assalariados está em crise. É uma crise de representação, num momento em que a Alemanha tem 4 milhões de desempregados, e que cada vez mais acordos salariais são selados fora do quadro clássico dos acordos coletivos. Um sindicato como o IG Metall, a mais poderosa das organizações que integram a DGB (com 2,8 milhões de filiados), perde 100 mil filiados por ano.
Crise de divisão do bolo, já que a partilha consensual dos frutos do crescimento não se faz sozinha, como comprova o conflito ainda acirrado criado em torno da redução do pagamento de indenizações salariais em casos de doença.
E, finalmente, crise de identidade, à medida que o capitalismo se internacionaliza e se torna mais anônimo, questionando a validade de qualquer luta nacional.
As discussões em torno do "pacto para o emprego" proposto pelo IG Metall um ano atrás fracassaram, e, ao mesmo tempo, o movimento sindical se vê obrigado a admitir o fracasso de uma estratégia guiada pela preocupação com o consenso em escala nacional.
"É a paz social que está em jogo", observou Dieter Schulte, criticando os "piromaníacos" do campo das patronais e do governo, acusados de "envenenar o clima social do país".
Ao decidir fazer uma reflexão sobre a definição de uma alternativa ao "espírito neoliberal" e à "sociedade do lucro a qualquer preço", o movimento sindical alemão tenta pôr contrapeso às forças descontroladas do mercado.
Mas não tem certeza alguma de que a operação vá dar certo. A oposição ao SPD não é mais a correia transmissora do poder sindical na Alemanha.
Quanto às regras do consenso à moda alemã, hoje em dia estão sendo definidas mais no nível de cada empresa do que em nível das grandes organizações sindicais.

Tradução de Clara Allain

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